Associação quer ensinar geriatria a médicos que acompanham idosos nos lares
Especialidade médica continua por reconhecer em Portugal, ao contrário do que sucede na maioria dos países europeus.
Um grupo de especialistas em medicina interna ligados à geriatria vão criar uma associação para dar formação aos médicos que acompanham os idosos que estão em lares, que se estima serem mais de 125 mil.
O médico João Gorjão Clara, professor catedrático de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, lembra que as particularidades das pessoas idosas as tornam “diferentes da população adulta ou das crianças”.
“O reconhecimento de que era assim para as crianças tem mais de cem anos, quando se constituiu a pediatria, e não houve, na altura, da parte de nenhuma das pessoas das especialidades médicas, qualquer obstáculo ao reconhecimento de que as crianças tinham de ter uma abordagem própria”, observa o especialista em medicina interna. A Associação dos Médicos dos Idosos Institucionalizados (AMIDI), que será registada este mês, terá a sua sede no Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva e pretende reunir todos os médicos que trabalham com idosos que estão nas Estruturas Residenciais para Idosos.
Dados do Instituto de Segurança Social referentes a 2021 indicam que existem mais de seis mil estruturas residenciais em Portugal, 3.500 das quais ilegais. Nestas últimas residirão 35 mil pessoas. Gorjão Clara diz que o essencial é que as condições de assistência a estes idosos sejam as melhores e que os médicos que os assistem tenham uma formação sólida em geriatria.
A AMIDI também pretende também fazer com que as regras de constituição destas estruturas obriguem à contratação de um médico, causa pela qual desenvolverão contactos junto da Ordem dos Médicos e do Ministério da Saúde. “Não há qualquer lei que obrigue a contratar médico. Obriga a contratar enfermeiro, mas não médico. Numas [o médico] vai uma vez por semana, noutras duas vezes, noutras vai quando é chamado e nalguns casos quando o doente precisa é enviado para as urgências. É esta a realidade”, explicou.
O especialista foi até Outubro coordenador do grupo de estudos de geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, tendo coordenado e organizado formações a médicos que dão assistência a idosos em lares.”Sentia que os médicos que dão apoio aos idosos institucionalizados não têm formação especifica e, portanto, não podem optimizar essa assistência (...) que é muito particular”, considerou, recordando um estudo, publicado em 2018, que concluiu que os idosos institucionalizados têm maior taxa de depressão e solidão do que os que vivem na comunidade.
“Só isto já é preocupante, se a assistência médica não é optimizada isso agrava a situação”, acrescentou. A ADIMI será uma associação pioneira na Europa, assinala o mesmo especialista, pois só nos Estados Unidos existe uma instituição do género, que reúne médicos que dão apoio a idosos nestas instituições.
Gorjão Clara lamenta que em Portugal não exista a especialidade de geriatria, como acontece na maior parte dos países da Europa. Os médicos que fazem formação nesta área e nela trabalham podem ter no entanto esta competência reconhecida pela Ordem dos Médicos. Além de Portugal, só a Grécia não tem esta especialidade médica, assinala, acrescentando que a sua criação teve sempre resistência de colegas de outras especialidades e que, se no início, quando a cadeira começou a ser leccionada na faculdade (em 2010) apareciam apenas sete ou oito alunos, a situação começa a ser diferente.
“É preciso ser muito resiliente”, observa, acrescentando: “A pouco e pouco, sobretudo as gerações mais novas dos médicos vão aprendendo que a geriatria é muito importante e que têm de ter formação sólida nesta área e vão aparecendo, quer nos cursos pós graduados que no núcleo de estudos de geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna que organizamos, quer noutras acções de formação”.
E apesar da palavra geriatria ter cem anos, dá um exemplo bem actual dos “anticorpos” que tem: “Ainda hoje, a cadeira na faculdade não se chama Geriatria, mas sim Introdução às Doenças do Envelhecimento”.
“Mas o que se aprende é exactamente o mesmo que em qualquer escola médica da Europa, em países onde a geriatria já é uma especialidade”, afirmou, acrescentando que, em Espanha, a Sociedade de Geriatria existe desde 1978 e, em França, desde 2000.