Descentralização: Porto assume gestão das escolas com “défice” de dez milhões
Providência cautelar para travar transferência de competências não teve efeitos suspensivos. Autarquia diz que faltam pelo menos dez milhões no cheque do Governo. 925 trabalhadores e 29 escolas passaram para as mãos da câmara. E agora?
“Há um momento para lutar, mas há um momento para acomodar” e a Câmara do Porto admite ter chegado ao segundo. As palavras foram do vereador com a pasta da Educação, Fernando Paulo, e resumem a posição da autarquia relativamente à transferência de competências nesta área: apesar de estar contra este modelo de descentralização – e de considerar a verba transferida pelo Estado manifestamente insuficiente –, a Câmara do Porto assumiu, no dia 1 de Abril, a responsabilidade das 29 escolas do segundo e terceiro ciclos e do ensino secundário que o Governo pretendia transferir.
O executivo de Rui Moreira tudo fez para que tal não acontecesse. Há duas semanas, depois de “esgotada a luta política”, nas palavras do edil, a câmara avançou mesmo para uma providência cautelar. O juiz não decretou os efeitos suspensivos que a autarquia almejava, disse Fernando Paulo aos jornalistas no final de uma reunião privada, esta segunda-feira, mas a batalha pode não estar perdida. “No despacho, está prevista a citação ao Ministério da Educação. Já foi citado e tem dez dias para se pronunciar. Em função disso pode haver aqui alguma reviravolta ou recuo”, afirmou.
Para já, o município do Porto passou a ser o “patrão” de mais 925 trabalhadores - assistentes operacionais e assistentes técnicos -, distribuídos por 29 escolas. Um acréscimo de cerca de 30% de trabalhadores no universo camarário, que o Ministério da Educação se compromete em financiar com 12,7 milhões de euros. Já resolvida, anunciou Rui Moreira durante a reunião, estará a questão do dia de pagamento: como o Ministério paga ao dia 23, a autarquia mudou o seu dia de pagamento de 26 para esse mesmo dia, evitando possíveis constrangimentos do pessoal.
Apesar da mensagem de tranquilidade para profissionais e pais - com a garantia de que as escolas vão “funcionar com normalidade” -, Fernando Paulo não quis esconder os problemas. Desde logo, o financeiro. O cheque do Governo terá o valor de 19 milhões de euros, mas era preciso muito mais: “As nossas contas apontam para um défice de cerca de 10 milhões de euros, sem contar com o edificado”, afirmou.
Rui Moreira já havia avisado que a manta que tapará de um lado faltará noutro. Mas então, onde irá a autarquia cortar para garantir ter dinheiro para as escolas? Fernando Paulo remete possíveis soluções para uma reunião de câmara extraordinária, ainda no mês de Abril, onde serão propostas alterações ao orçamento.
Acusando o Governo de ter retirado a Educação da sua lista de prioridades, Fernando Paulo lamentou que a descentralização burilada por António Costa transforme as câmaras “em administradores escolares”, apenas a cumprir tarefas. Um exemplo disso, contou, foi o que se passou recentemente com a questão da limpeza. Ao perceber que seis das escolas que poderiam passar para a sua alçada tinham a limpeza externalizada – e depois do agrupamento ter manifestado vontade de voltar a ter o serviço internalizado –, a Câmara do Porto terá pedido ao Ministério da Educação para admitir estes 26 funcionários. “Disseram-nos que não. É a prova evidente de que somos gestores e pagadores, mas não decisores.”
Grandes obras e outras despesas
A assunção de responsabilidades nesta área é um desejo da autarquia, a forma como ela está a ser feita não. Cada escola transferida para o município traz “um envelope de 20 mil euros por ano” para manutenção e conservação. E esse dinheiro não chega, avisa Fernando Paulo: “Qualquer pessoa perceberá que é manifestamente insuficiente. É inferior ao que temos nas escolas de ensino básico e jardins-de-infância.” Das 19 escolas que são transferidas com propriedade e manutenção (a manutenção das 9 já reabilitadas continua a cargo da Parque Escolar), oito estão “identificadas com necessidade de grande intervenção”, diz. “Algumas não têm obras de requalificação desde os anos 50 do século passado. Se considerarmos uma verba de 7,5 milhões para as oito, precisávamos de 60 milhões para a grande requalificação.”
São contas que a Câmara do Porto não irá assumir sem apoio do Governo ou fundos comunitários. Até porque, diz Fernando Paulo, não são os únicos problemas existentes. Uma conta já feita é a dos gastos com remoção do amianto: 1,5 milhões. Outra, disse o vice-presidente, Filipe Araújo, na reunião, é a da manutenção dos jardins e arvoredo das escolas: mais 440 mil euros anuais. Por contabilizar está o que seria necessário gastar em material didáctico e pedagógico e também na modernização dos equipamentos informáticos: existem mais de oito mil nestas escolas e “75% têm mais de 15 anos”, já inventariou a autarquia.
A reunião que a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, terá proposto a Rui Moreira fazer com o ministro da Educação, João Costa, está ainda por agendar. O autarca do Porto já avisou que quer levar consigo o presidente da Área Metropolitana, Eduardo Vítor Rodrigues.