Desenvolvimento equilibrado com proteção ambiental e paisagística: O segredo do sucesso do Douro Património Mundial

Depois das enormes mudanças operadas nestes 20 anos, o Douro precisa de reforçar a sua estratégia de criação de valor, quer através da diversificação económica e da inovação, quer reforçando os vetores que reforçam a competitividade das atividades existentes

O reconhecimento do Douro enquanto Património Mundial da UNESCO foi o resultado de um intenso trabalho de equipa, desenvolvido ao longo de muitos anos, entre tantos que partilhavam a mesma preocupação de proteção paisagística e de valorização nacional e internacional de uma região de enorme potencial cultural e económico. Apesar de sempre ter integrado o imaginário nacional, graças à sua beleza, carácter e a excelência do seu vinho “do Porto”, o Douro era tradicionalmente uma região muito pobre, marcada por uma grande segmentação social.

De fora, o Douro era visto como um paraíso perdido para lá das montanhas, com paisagens de cortar a respiração. Paisagens construídas à força de braços, serranias acima. Nas palavras de Miguel Torga: “O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas”.

E foi o trabalho desses homens titânicos, associado à visão de alguns que permitiu que a sua principal produção, o vinho do Porto, tenha constituído a mais antiga – e maior – zona demarcada do mundo. Histórias e lendas de visão, coragem e resistência encontram o seu simbolismo máximo na “Ferreirinha” (Dona Antónia Ferreira), uma mulher num negócio de homens, a diversos títulos bem adiante do seu tempo.

A classificação do Douro enquanto Património da Humanidade só veio confirmar o que, enquanto portugueses, já sabíamos: o carácter único e absolutamente singular desta região. Mas esta designação abriu a porta para um (re)conhecimento internacional alargado, gerando novas oportunidades, algumas das quais aproveitadas pelos agentes regionais e locais. O “selo de qualidade” associado permitiu à região ganhar a confiança dos investidores e entrar nos circuitos de excelência, já não apenas do vinho, mas também do turismo, da gastronomia, da cultura e de alguns segmentos da investigação e inovação.

A política de Coesão da União Europeia desempenhou um papel relevante neste processo em várias frentes, graças aos 1100 milhões de euros de apoio canalizados para a região desde 2007. Foram cofinanciados investimentos em acessibilidades, abastecimentos de água, saneamento, recolha e tratamento de resíduos, equipamentos de saúde, educação, lazer e desporto, serviços sociais de apoio à infância e à terceira idade.

A política de Coesão contribuiu para a revitalização dos centros urbanos, permitindo a criação de focos de fixação da população e centros de difusão e interação com zonas rurais envolventes. Promoveu também o aprofundamento de fatores de competitividade tradicionais na região através do apoio a diversas iniciativas empresariais e capacitação e formação de mão de obra. Desde as infraestruturas mais básicas até à dinâmica educativa, científica, tecnológica e cultural, é difícil pensar no que o Douro é hoje sem reconhecer o contributo notável da política de Coesão nesse progresso.

Depois das enormes mudanças operadas nestes 20 anos, o Douro precisa de reforçar a sua estratégia de criação de valor, quer através da diversificação económica e da inovação, quer reforçando os vetores que reforçam a competitividade das atividades existentes, de modo a criar condições para fixar e atrair pessoas e empresas, em particular os jovens e os mais qualificados. Importa definitivamente inverter a tendência de desertificação humana que persistentemente se instalou.

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, bem como todos os centros de saber, poderão constituir as alavancas para esta evolução, com mais qualificação, mais investigação, mais patentes registadas e mais inovação aplicada. Também as empresas poderão ter aqui um papel crescente, aproveitando os novos recursos humanos disponíveis, atraindo novos talentos para a região, explorando novos produtos em áreas tradicionais e investigando novos setores. Estes elementos deverão ser componentes essenciais das futuras estratégias de desenvolvimento para a região, que devem reconhecer também os objetivos ambientais e climáticos em que a Europa pretende assentar o seu futuro, bem como explorar todas as potencialidades associadas ao novo mundo digital que permite encurtar as distâncias físicas. No entanto, a eficácia de uma estratégia de desenvolvimento requer um pensamento assente em análises detalhadas que incluam o território como variável fundamental, percebendo qual o contributo possível de cada ator ou instituição para o projeto comum. No Douro, como noutras áreas, a abordagem para definir estratégias de desenvolvimento pressupõe uma escala de coordenação e articulação territorial, setorial e institucional que ultrapassa o nível municipal.

Numa nota mais pessoal, tive o enorme privilégio de ter participado neste grande projeto: no início da minha carreira profissional, enquanto técnica da Comissão de Coordenação Regional do Norte, no quadro da conceção de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo para o Douro; e muito mais tarde, em 2001, enquanto ministra do Planeamento, na confirmação do sucesso da candidatura do Douro a Património Mundial da UNESCO, reconhecendo a trajetória de tantos anos e reforçando o sentido de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento sustentável.

O grande desafio para todos quantos trabalharam e continuam a trabalhar pelo Douro tem sido combinar a dinâmica económica que se pretende estimular e consolidar com a salvaguarda e proteção do extraordinário património ambiental, paisagístico e histórico desta região. A conciliação destas duas dimensões é uma condição sine qua non para a valorização harmoniosa do Douro e o futuro das pessoas que lá vivem.

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