Um brinde ao Alto Douro Vinhateiro

O Alto Douro Vinhateiro e, num sentido mais amplo, a Região Demarcada do Douro, com todas as vicissitudes e constrangimentos, está, na minha opinião, melhor hoje do que estava há 20 anos, e esse resultado é, em parte, devido ao facto de ter o estatuto de Património Mundial.

A celebração dos 20 anos do reconhecimento pela UNESCO do Valor Universal Excecional do Alto Douro Vinhateiro convoca-nos para fazer, simultaneamente, um balanço sobre o passado e uma reflexão sobre o que o Alto Douro Vinhateiro e a Região Demarcada do Douro poderão vir a ser no futuro. Um feito e uma efeméride, indiscutivelmente, raras. Na verdade, à data de hoje, somente 1154 ativos naturais ou culturais no mundo detêm este estatuto, 17 dos quais em Portugal, incluindo a Paisagem Vinha da Ilha do Pico. Curiosamente ou não, algumas das mais prestigiadas regiões vitivinícolas como Bordéus, Borgonha, Champagne estão também representadas nesta indiscutível Liga de Campeões da paisagem.

Houve grandes desafios e alguns percalços pelo meio, como foi o da construção do Aproveitamento Hidroelétrico do Tua, o plano de construção de um gasoduto atravessando parte da região e respetiva área-tampão, ou pedidos de prospeção de lítio ou de construção de grandes empreendimentos hoteleiros e imobiliários que, a materializarem-se, poderiam criar dissonâncias insanáveis que nos poderiam ter conduzido ao mesmo destino de Liverpool que, recentemente, perdeu o estatuto de Património Mundial das suas Docas Vitorianas, em consequência do desfiguramento provocado pela pressão imobiliária.

Mas é um caminho que, ainda assim, tem tido um resultado verdadeiramente positivo. O Alto Douro Vinhateiro e, num sentido mais amplo, a Região Demarcada do Douro, com todas as vicissitudes e constrangimentos, está, na minha opinião, melhor hoje do que estava há 20 anos, e esse resultado é, em parte, devido ao facto de ter este estatuto.

Desde logo em termos da densificação e maior qualidade da cooperação institucional entre os vários atores regionais, públicos e privados. Adicionalmente, no domínio da conservação e regeneração do património vernacular, do aumento do turismo (um estudo elaborado pela PwC aponta para crescimentos potenciais do PIB de até 3% para áreas declaradas Património Mundial, por efeito do aumento do turismo). Também regista significativos avanços na unidade e coesão sociais, como demonstrado pelo envolvimento da sociedade civil na Petição para a Requalificação e Reabertura da Linha do Douro até Barca de Alva, passando pela introdução do tema do Território e do Património nos programas curriculares regionais, com o consequente reforço identitário das populações e a promoção do orgulho cívico, particularmente entre os mais jovens.

Mas o mais difícil está por fazer. Como manter e compatibilizar este estatuto de Património Mundial, de Monumento Nacional, com a muito necessária promoção do desenvolvimento desta região? Este é um grande desafio de equilíbrio e de sensatez. Desde logo um desafio na área da economia da vinha e do vinho. Sem um negócio próspero, saudável e sustentável para todos aqueles que dele dependem, não haverá Património Mundial. Gerando anualmente cerca de 580 milhões de euros, o sector não está a ser suficientemente atrativo para rejuvenescer e fixar populações na região, pelo que há que ter a ambição de aumentar significativamente este valor. Neste contexto, o enoturismo poderá representar um enorme contributo sempre e quando o seu crescimento for compatível com a manutenção dos atributos físicos e culturais que levaram à inscrição no Património Mundial. Se considerarmos que a região de Champagne, em 2019, vendeu mais de 4500 milhões de euros em vinhos, numa área que é cerca de 25% inferior à do Douro, entendemos o longo e caminho pela frente.

A demografia está também contra nós. O Censos 2021 confirmou as piores suspeitas de decréscimo e envelhecimento das populações no interior, particularmente no Douro. Decresce o número de viticultores, e há enorme falta de mão de obra na agricultura e nos serviços, particularmente no turismo.

O terceiro domínio de preocupação são as alterações climáticas. Nos últimos 50 anos, na zona do Pinhão, registou-se um aumento médio da temperatura mínima anual em 2,6 graus e de 1,4 graus na temperatura máxima e a redução e concentração do tempo de precipitação. As projeções mais favoráveis para 2050 apontam para aumentos muito preocupantes que, nada se fazendo, porão em causa a viticultura no Douro como a conhecemos.

Chegados aqui, dissecado o passado, aprendidas as lições, identificados os desafios para o futuro, importa convocar todas as vontades, todos os atores, todos os fazedores de paisagem, todos os criadores de riqueza, todos os decisores políticos para concertar esforços no endereçamento destes grandes desafios, de modo que se possa continuar o processo de afirmação deste lugar e terroir único que produz alguns dos melhores vinhos do mundo, irrepetíveis em qualquer outro lugar.

Reproduzindo o que escrevi noutro contexto, “as milhares de almas que, ao longo dos séculos, pacientemente construíram este mosaico, esta manta de retalhos, este manto de esplendor, num tricot inspirado pelo divino, este modo de ser e de viver que muitas vezes assume a forma de negócio, obrigam-nos a assumir, responsavelmente, este propósito de preparar o caminho para que o Alto Douro possa ser, para a eternidade, Património de todos os habitantes da Terra”.

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