Ana, 

Estava a sentir-me muito cansada ao fim de um dia mais agitado, e pus-me a enumerar tudo aquilo que fazia em 24 horas quando era mãe de três filhos pequenos e com um emprego exigente. Hoje basta-me a listagem para me deixar exausta.

Num primeiro instante pensei que era por estar mais velha, mas imediatamente conclui que não é nada disso: a diferença é que agora posso dar-me ao luxo de me sentir cansada. A verdade é que até para percebermos que estamos para lá das nossas forças precisamos de espaço e de tempo e, claro, da certeza de que o mundo não desabará à nossa volta se pararmos uns instantes.

Analisando o problema retrospectivamente não me parece que tenha sobrevalorizado o risco de que se desmoronasse mesmo, nem que tivesse sido possível ter feito de forma diferente. Sei que hoje há uma divisão maior de tarefas, mas as estatísticas do uso do tempo pelos portugueses não deixam dúvida de que as mães ainda são o pilar base das famílias, e é por isso que a minha admiração vai para quem diariamente consegue levar a cabo este verdadeiro número de acrobacia (muitas vezes, sem rede). Mas a conclusão deste exercício que te venho alegremente comunicar é que é gigantesca a minha felicidade por estar já do outro lado. Hum, aposto que neste momento davas tudo para ser avó! Se estiveres muito cansada podemos trocar de papéis, mas só por um bocadinho — aliás aproveito aqui para lavrar o meu protesto contra os filhos/pais que sobrecarregam os avós, impedindo-os de descobrirem como é tão bom não andar exausto.

Tenho de te confessar que ia buscar adrenalina extra ao imenso prazer que me dava (e dá) escrever, a felicidade de ver uma página em branco encher-se de letras para contar uma história. E tu, onde vais buscar a tua?

Querida Mãe,

Ai, o cansaço das mães, um tema omnipresente para as avós. Talvez ainda mais do que para as próprias mães, e digo isto a rir, mas já percebi que é o destino porque as minhas filhas também se queixam de que sou obcecada pelo cansaço delas e que de cada vez que as vejo mais em baixo começo a disparar que têm de dormir mais.

O cansaço das mães é cómico porque se me disserem que ser mãe não é cansativo, revolto-me — “Sabe lá ele o nível de cansaço que sinto e o quão funcional sou, apesar desse cansaço!” —, mas se é a mãe a dizer-me que pareço muito cansada reajo ofendida com um “por amor de Deus, não estou nada sempre cansada!”. De onde virá esta ambiguidade? E, acima de tudo, porque nos irrita tanto quando tentam resolver o nosso cansaço?

Reflectindo, parece-me que é porque:

1. Parte da nossa estratégia de sobrevivência é aceitar esse cansaço. Lembro-me bem que quando fomos pais pela primeira vez tentávamos por tudo inventar maneiras de simplificar a vida para não ficarmos tão cansados, mas na prática a luta era tão grande e tão infrutífera que percebemos que era muito mais fácil funcionar apesar do cansaço, do que lhe somar o cansaço de batalhar para acabar com ele. Por isso ter pessoas de fora a atirar com soluções e a insistir para que as utilizemos… cansa!
2. Quando chamamos a tudo “cansaço”, não nos perguntamos “mas cansaço exactamente do quê?”. Mas a pergunta é fundamental! Tantas vezes se assume que os pais estão cansados dos filhos! Mas, para muitas mães (não todas), tomar conta dos filhos, brincar, cuidar deles dá lhes tanto prazer como a sua página em branco. É isso que as energiza e motiva. É aí que descansam (mesmo que dê muito trabalho). Há quem esteja exausto do trabalho que acumula para além dos filhos. Há quem só esteja exausta em consequência da pressão (da que põe sobre si própria ou a que recebe dos outros) para ser de uma determinada maneira.

Pode estar só cansada de ter que defender as suas escolhas dos bitaites alheios. Pode estar cansada de estar sozinha e de sentir sobre si o peso de ter de tomar todas as decisões. Pode estar cansada da rotina. Ou das noites sem dormir. E, já agora, nem todo este cansaço se resolve com “uma noite fora com o marido” (até porque pode estar cansada do marido!), por isso, antes de oferecer soluções, vamos perguntar: “O que te está a custar mais? Que parte da tua rotina odeias? O que te dá prazer e descansa?” E então sim “O que posso fazer para te ajudar?”

A mim dá me energia ser eu a ir buscá-los à escola, dar um concerto, compor uma música, ver um filme com pipocas depois de eles estarem a dormir, e sim... dormir uma noite inteira ajuda (embora não seja tão essencial como se poderia pensar).

Bjs

No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.