Saúde mental é saúde
Assinalamos neste domingo o Dia Mundial da Saúde Mental e quero centrar a nossa atenção no facto de que sem saúde mental não há saúde. E porquê? Porque nunca será demais lembrar que a saúde mental ocupa um lugar central, mas muitas vezes discreto e insidioso em toda a nossa saúde e bem-estar.
Excluindo as doenças psiquiátricas mais graves, doenças que acarretam intenso sofrimento para o próprio e para os seus próximos, os caminhos que ligam um simples mal-estar de ânimo ao adoecer mental, são muitas vezes difíceis de passar.
As razões para recorrer a uma consulta de psiquiatria podem decorrer de uma prudência lúcida de quem conhece a vida e sabe como, muitas vezes, situações dramáticas, embora comuns, como o luto, põem a descoberto problemas anteriores graves, que a medicina apoia a identificar e abordar. E não posso deixar de referir que os tempos recentes não têm sido férteis para a saúde mental. Infelizmente, só a pandemia gerou cadeias de interferências que desencadearam ou revelaram inúmeros problemas de saúde mental. Muitos deles escondidos sob a aparência de saúde física, o que está longe de ser uma surpresa, porque entre saúde física e mental, há um jogo de espelhos, que a medicina bem conhece, e que exige em clínica uma ponderação muito amadurecida. Quantas vezes, queixas do foro cardiorrespiratório, digestivo, ou apenas de dor, denunciam um caminho que, bem interpretado, referencia para a psiquiatra? Infelizmente, a referenciação para psiquiatria, por vezes, ainda transporta consigo um temor de estigmatização que inibe médicos, pacientes e familiares. Todavia, temos muito a ganhar com uma visão mais desassombrada sobre a saúde mental.
Se a vida não cessa de nos dar razões para ansiedades, em diversos graus e formas de expressão, físicas e psíquicas e que, ao longo da História, da literatura à filosofia, passando pela arte, são reconhecíveis a todos, outros problemas há, bem mais graves, que, infelizmente, se têm vindo a detectar melhor, mas também a revelar maior extensão. É o caso dos problemas de saúde mental que estão associados à idade, e que ameaçam uma sociedade cada vez mais envelhecida. Por outro lado, encontramos os problemas associados ao consumo de substâncias activas sobre o sistema nervoso, chamadas psicotrópicas, a começar por aquelas banalizadas na mais precoce adolescência, como o álcool, os estimulantes e as drogas equivocadamente designadas de “leves”. Se todos tememos os problemas de saúde mental da velhice, temos razões para temer, também, todos os problemas de saúde mental, precocemente juvenis, associados aos consumos e agravados pela difícil experiência de crescimento que os jovens, hoje mais ainda, experimentam. Digo mais ainda, porque se trata de gerações nascentes, que, por vezes, encontram “fechado” o mundo que esperavam que estivesse à espera deles. Situação que nem o afecto dos familiares mais próximos consegue suprir, e que os lança numa contradição interior.
Há de facto um problema de saúde pública que se forma e cresce no campo da saúde mental. Felizmente, a medicina acompanha há muito tempo o desdobrar destes riscos na saúde mental de todos nós. A investigação científica tem feito progressos notáveis, mas nada substitui a intervenção preventiva. É ela que permite o diagnóstico precoce e, a partir dele, condiciona a evolução e o prognóstico. Contra isso, o maior obstáculo continua a ser um velho preconceito que, na opinião comum, mal informada, atinge todo o campo da saúde mental. É, pois, curioso, que um dos factores preventivos venha a ser hoje a própria cultura e literacia públicas em saúde mental. Diz-se que o “saber não ocupa lugar”, mas no caso da saúde mental até ocupa; ocupa um lugar onde ainda há ignorância e que temos de preencher, compreendendo e incentivando a procura de ajuda psiquiátrica quando se torna difícil gerir os desafios do dia-a-dia. É para isso que cá estamos.