Presidente do Haiti assassinado na sua residência
O atentado ocorreu por volta da 1h00 (hora local), quando “um grupo de indivíduos não identificados” atacou a casa de Jovenel Moïse. Primeiro-ministro em funções apela à calma e diz que está assegurada a “continuidade do Estado”.
O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado durante a noite por um grupo armado na sua residência privada. Os atacantes, alguns dos quais serão estrangeiros, deixaram ainda gravemente ferida a primeira-dama, Martine Moïse
Em declarações a uma rádio local, o primeiro-ministro interino, Claude Joseph, disse que o ataque foi levado a acabo por um “comando armado” que incluía estrangeiros – alguns vídeos divulgados nas redes sociais mostram os atacantes e é possível ouvi-los a falar espanhol; numa das gravações, partilhada pelo jornal Miami Herald, um dos homens armados identifica o grupo como enviado pela DEA, o departamento de combate ao tráfico de drogas norte-americano, e fá-lo em inglês.
“Eram mercenários”, afirma um alto responsável do Governo, citado pelo jornal britânico The Guardian. Residentes ouvidos pelo diário dizem ter ouvido disparos e visto homens vestidos de negro a correr pela vizinhança. Jovenel Moïse vivia em Pelerin 5, um bairro de Pétionville, subúrbio abastado de Port-au-Prince considerado seguro.
Descrevendo o homicídio como um “acto odioso, desumano e bárbaro”, Claude Joseph apelou à calma da população e afirmou que a segurança do país está garantida e que foram tomadas todas as medidas para assegurar a “continuidade do Estado”.
Missão da OEA
“É um crime horrível”, reagiu Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca. “Estamos prontos e ao lado [do Haiti] para fornecer qualquer assistência que seja necessária.” O Presidente colombiano, Iván Duque, pediu entretanto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para enviar uma missão urgente e assim “proteger a ordem democrática no Haiti”.
Claude Joseph está na chefia do Governo desde Abril, quando substituiu o primeiro-ministro Joseph Jouthe, que apresentou subitamente a sua demissão. Mas o Presidente nomeara o seu substituto na segunda-feira, o cirurgião Ariel Henry de 71 anos, que anunciou como prioridade para os próximos meses a preparação das eleições.
Embora Henry, o sétimo primeiro-ministro de Moïse, seja próximo da oposição, a maior parte dos partidos que se opunham ao Presidente rejeitaram a sua nomeação e continuaram a exigir a saída do chefe de Estado, que acusam de querer instalar uma ditadura, prolongar ilegalmente o seu mandato e assumir políticas cada vez mais autoritárias, o que este sempre desmentiu.
Este ataque ocorre no meio de uma vaga de violência na empobrecida nação das Caraíbas, a braços com uma crise profunda exacerbada pela pandemia de covid-19. Com o país politicamente dividido e a enfrentar uma escassez de alimentos, teme-se a desordem generalizada. As tensões políticas têm sido acompanhadas de batalhas entre gangues e entre este e a polícia pelo controlo das ruas da capital, Port-au-Prince.
“Apesar dos vários esforços de mediação, a profunda crise política em que o país esteve mergulhado durante boa parte dos últimos quatro anos não dá sinais de diminuir”, avisou em Junho a ONU. Pelo contrário, sublinhava então Helen La Lime, representante do secretário-geral para o Haiti, numa sessão do Conselho de Segurança, havia sinais recentes de deterioração, com uma “cada vez maior polarização da política haitiana” e da tendência crescente de alguns para recorrer à violência.
As palavras premonitórias de La Lime seguiam-se a meses de protestos ferozes contra Moïse. Em Fevereiro, os principais partidos da oposição nomearam mesmo um dirigente de transição para ocupar o seu lugar, o juiz do Supremo, Joseph Mécène Jean-Louis, de 72 anos.
Essa nomeação coincidiu com a denúncia, por parte de Moïse, de uma conspiração para o derrubar. O objectivo dos conspiradores “era atentar contra a minha vida”, disse na altura o Presidente Moïse. “Estas pessoas tinham contactado responsáveis dos segurança do palácio nacional, altos oficiais do palácio cuja missão era prender o Presidente… e também facilitar a instalação de um novo Presidente”, detalhou o primeiro-ministro da altura, Joseph Jouthe.
Em resposta, as autoridades detiveram 23 pessoas, incluindo um juiz do Supremo, pelo seu papel na alegada conspiração.
Eleições e referendo
Moïse, eleito com 600 mil votos num país de onze milhões – numa votação anulada por fraude, em 2016, antes de ser reeleito um ano mais tarde –, governava por decreto desde Janeiro do ano passado, altura em que dissolveu o Parlamento (depois do adiamento das legislativas de Outubro de 2019). Para a oposição, o seu mandato terminou em Fevereiro; ele considerava que só acabaria em Fevereiro de 2022 e prometia não se apresentar de novo a votos.
Até lá tinha estabelecido como objectivos “formar um governo de abertura”, “resolver o problema gritante de insegurança” e trabalhar para “a realização de eleições gerais e de um referendo”.
O referendo constitucional, adiado para 26 de Setembro, é contestado por grande parte dos partidos, e enfrentava críticas até no campo presidencial. A reforma em curso visa reforçar o poder executivo: já foram conhecidos dois anteprojectos que propunham acabar com o Senado e incluir a possibilidade de dois mandatos presidenciais sucessivos, mas o texto final ainda não está terminado.