Não há birras que justifiquem o afastamento entre avós e netos
A lei consagra o direito dos netos ao convívio com os avós e, embora seja uma infelicidade as famílias precisarem de recorrer a um juiz para decidir estas coisas, a verdade é que há avós dispostos a ir a tribunal para conseguirem voltar a estar com os filhos dos seus filhos.
Ana,
Durante este ano e meio temos estado todos concentrados nos avós que estão separados dos netos por ordem da pandemia, mas não falámos daqueles que estão impedidos de os ver pelos pais das próprias crianças. Enquanto que os primeiros conseguiram, com muita imaginação e tecnologia, manter com eles uma relação privilegiada, os outros veem esfumar-se os laços, numa cruel angústia que se agrava a cada dia que passa.
E, Ana, estamos a falar de avós que, por vezes, foram figuras centrais na vida destas crianças durante anos e anos, afastados na sequência de um divórcio litigioso dos filhos, e em que o genro/nora, ou inclusivamente o filho/a, impõem este corte abrupto de relações. E se isto não é assunto para uma birra de mãe, não sei qual é!
Ninguém tem dúvidas, na teoria, de que a margem de intervenção dos avós no divórcio dos filhos, deve ser zero. A situação já é de si tão difícil e implica tanto sofrimento, que qualquer faísca garante uma explosão, quanto mais se for da mãezinha ou do paizinho do “outro”. Mesmo que os conselhos sejam oferecidos com a melhor das intenções têm tudo para dar asneira. É claro que é difícil manter esta neutralidade, mas os avós que se chorem no ombro dos terapeutas, ou no segredo do confessionário, mas calem-se para fora, mesmo com os amigos que, por vezes, acabam por repetir o comentário, que encontra caminho (ainda por cima provavelmente distorcido) para os ouvidos das partes interessadas.
E é mesmo importante que não usem a sua compreensível angústia com os netos como pretexto para entrarem em cena, como se a sua preocupação e amor aquelas crianças fosse superior ao amor e à preocupação que os pais sentem por elas. Tudo o que alguém que se está a separar Não precisa de ouvir é a mãe ou a sogra a perguntar-lhe qualquer coisa como “Já pensaste como o teu pobre filho vai sofrer com isto?”, ou a relatar-lhe como os filhos de fulano ou sicrano acabaram na droga supostamente por causa do divórcio dos pais (acredita, a lista de bocas inacreditáveis que se ouvem nesta fase superam até as que as grávidas escutam quando se aproxima a data do parto). Aliás, se os avós estão mesmo preocupados com os netos, tudo o que lhes devem oferecer é uma casa tranquila, onde a vida continua mais ou menos igual, ninguém discute, nem toma partido por A ou por B, ou aproveita para tirar nabos da púcara.
Dito isto, não há mal-entendidos, nem ofensas, nem birras que justifiquem o afastamento dos netos. É uma crueldade para os avós, mas para além disso é um crime contra as próprias crianças ou adolescentes. Ana, a lei consagra o direito dos netos ao convívio com os avós e, embora seja uma infelicidade as famílias precisarem de recorrer a um juiz para decidir estas coisas, a verdade é que há avós dispostos a ir a tribunal para conseguirem voltar a estar com os filhos dos seus filhos.
Li um artigo muito bom do juiz Paulo Guerra, um homem fantástico que tem dedicado a vida à proteção dos direitos das crianças, e que pode interessar a avós que tenham a infelicidade de se encontrarem nesta encruzilhada, mas o que queria de ti hoje eram ideias para que nunca se chegue a este ponto. Porque, suspeito, é desde o primeiro dia que se criam as regras entre avós e pais, tanto no que diz respeito à vida do casal, como depois na relação com os netos.
Querida mãe!
Acho que disse tudo. Subscrevo a sua birra e posso testemunhar como é bom para uma criança quando, após o divórcio dos pais, tanto a família do lado da mãe, como a lado do pai, continuam a falar-nos daquele que não está presente, com muita ternura e afeto.
Sem querer atribuir nenhum tipo de culpa (até porque é preciso ter presente que, na maioria dos casos, a decisão de um divórcio é já por si a última opção), é natural que para as crianças a separação dos pais seja o rebentar de uma bolha que, durante muito tempo, lhes pareceu inviolável. Ver manter pelo menos a bolha da família alargada permite sentir que não ruiu o universo, como o conhecem. Quando tudo o resto se mantém estável, ajuda a dar perspetiva e a integrar o afastamento das duas pessoas primordiais.
Do ponto de vista daqueles que se divorciam, idem aspas. Mesmo os pais minimamente sensatos, vão ter dificuldade em manter a calma, aprender a estar longe dos filhos, aprender a gerir a entrega da criança ao outro (principalmente as mães), aprender a engolir muitos sapos, a passar por cima de alguns sentimentos e mágoas pessoais para o bem dos filhos. Se ainda por cima os avós, tios, primos e cunhados não ajudam a valorizar esta capacidade, se atiçam os ódios e as pequenas guerras, se disparam com frases tipo “Tens que arranjar já o melhor advogado para atacar” ou um “Não deixes que te façam de parvo/a”, só vão destruir a frágil capacidade de manter a paz . E a paz (exceto em casos extremos) é sempre no superior interesse da criança.
Bjs!
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.