Sporting, a glória dos outros?
Não sou sportinguista, diga-se desde já, porém, hoje, faz-me sentido aclamar o Sporting pela extraordinária época de futebol que tem tido neste tempo tão estranho, quanto silencios.
Ao fim da tarde, contemplo um bosque à minha frente. O verde profundo, faustoso e deslumbrante lembra-me um outro, icónico, histórico, honroso. Tão denso quanto visceral, convoca-me o verde que, com raízes nodosas, grita de dentro do coração da árvore secular que é: Spoooortiiiing!
Sim, secular. O Sporting é como uma árvore antiga, grande e imponente, daquelas que faz história dentro da História da gente. Não sou sportinguista, diga-se desde já, porém, hoje, faz-me sentido aclamar o Sporting pela extraordinária época de futebol que tem tido neste tempo tão estranho, quanto silencioso, como o bosque ali em frente.
Desde sempre tenho este clube como um par. De forma atípica, até mesmo extravagante, ao contrário da categoria vigente em que é denominado — o rival, por excelência! —, o Sporting faz parte da classe onde encaixo os amigos, curiosamente. Talvez por ser verdade que tenho muitos amigos sportinguistas; talvez porque vou algumas vezes ao Estádio de Alvalade; seguramente porque gosto das palavras/valores/categorias que compõem a sua identidade: Esforço, Dedicação, Devoção e Glória. Fazem-me sentir que se trata de uma casa de Bem. Perguntar-me-ão porque venho aclamar este clube, se não é o meu. E porquê fazê-lo agora?
Em Janeiro de 2020 tive o privilégio de assistir ao jogo Sporting-Benfica em Alvalade, a convite de amigos e, trouxe na memória o som ensurdecedor da violência. Lembro-me que o jogo parou durante algum tempo, uma vez que o clamor por uma justiça maldita, inspirada numa profunda raiva narcísica, descambou para uma onda de ódio dentro do estádio. Ódio por quem? Seria melhor aceitável se se dirigisse aos rivais em campo. Mas, não. O ódio era privado. Alguns sportinguistas ameaçavam-se directamente. Rixas inflamadas nas bancadas. As claques, capazes de matar a sua própria equipa pelo frágil resultado — a sua própria identidade?! —, assustaram-me. Mais, fizeram com que me questionasse sobre o que ali se passava, afinal. Longe dos tempos em que o som gritado era de apoio incondicional, de orgulho pelo verde das camisolas, de abraço acolhedor ao mesmo tempo que forte e destemido — convicto, sentido, honrado — senti que este Sporting caíra em desgraça interior.
Imagino, empaticamente, que o clube terá passado uma das suas piores crises de sempre, nos últimos anos. Tiranizado por vozes indignas de o representar, instrumentalizado em nome de egos menos claros e consistentes, o Sporting viu-se vilipendiado, mal-amado, desrespeitado pelos demais, espancado, mal-afamado. Além de se ver perdedor desde há muitos anos, o Sporting, frustrado compreensivelmente e sedento de vitória, perdeu o chão do seu bom nome nos últimos anos — viu-se atacado narcisicamente, dentro das próprias portas. Normalmente, isso é duro de sentir. Esmaga, fere, envergonha, humilha, entristece e, revolta, na melhor das hipóteses. Na pior, enraivece! A agressividade volta-se para dentro, contra o próprio e perverte o vínculo de amor. Destrói por ausência/desistência de elaborar a depressão subjacente.
Em Janeiro de 2020 tínhamos esse Sporting transfigurado, desapossado de si, desamando-se por completo — sem espelho interior inteiro, intacto, capaz de o manter feito de gente de Bem. Sem Amor, o Sporting (quase) desistia dos seus valores maiores. A Glória, era e seria a dos outros, para sempre. Sucumbia numa depressão sem choro, daquelas que por vezes nos matam sem darmos conta. Daquelas que levam ao suicídio, por falta de coragem de dizer “não!” aos maus tratos e, manter firme cá dentro a convicção de que vale a pena reconstruir, depois de limpar o terreno das ervas daninhas.
Hoje, a poucas jornadas do final do campeonato de futebol, o Sporting mantém-se estoicamente na liderança, apresentando-se como o favorito ao título maior. Vindos de dentro de casa, ressurgem sinais de alegria, de gratidão em vénias coloridas, temperadas por uma esperança que se reergue, depois de um tempo de menor fartura e fulgor. Num tempo em que as vozes interiores da descrença palpitavam o fantasma dos perdedores. Dir-me-ão, alguns, que enquanto a época não terminar isso não terá valor, mas não é essa a minha visão.
Num ano de silêncios esmagadores, sem abraços nem indiferenças — com a violência, proibida, do lado de fora de portas —, sem dinheiro e com a face sangrando, o Sporting mostra-se capaz de ressurgir. Os resultados conseguidos até aqui, sinalizam a humilde vontade de reparação narcísica, de recuperação do crédito condigno ao seu bom nome e à sua história secular. O Sporting está de parabéns pelo que tem demonstrado ser capaz de fazer, chorando por dentro, aos poucochinhos, sem ninguém ver.
Acredito que vai ser campeão. Acredito que pode aprender com o que viveu recentemente dentro da sua própria casa. Acredito que vai continuar com a força interior demonstrada para se reconquistar a si mesmo e, de mostrar a todos uma grande lição de humildade e de verdadeiro espírito de quem nasceu para competir com resistência, resiliência, dignidade e fé.
Viva o Sporting. Bem-vindo de volta pilares identitários: Esforço, Dedicação, Devoção e Glória — a sua!