Cancro na família: estou ou não em risco de ter cancro?

É normal que numa primeira consulta de Oncologia sejam questionados os antecedentes familiares de cancro, com interesse nos tipos de cancro e idades de diagnóstico. O Dia Mundial do ADN celebra-se a 25 de Abril.

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Nelson Garrido

Falar do ADN é falar de uma molécula fascinante. Uma molécula que revela muito sobre nós e sobre o que herdamos da nossa família.

O ADN é constituído por sequências de nucleótidos, cujos segmentos funcionais (aqueles que podem vir a originar proteínas) designam-se por genes. Um dos grandes objectivos do projecto pioneiro do Genoma Humano foi estimar o número total de genes, que se acredita encontrar entre 20.000 e 25.000. O ADN está compactado no núcleo das nossas células sob a forma de cromossomas (46 nos humanos), que herdamos, metade de cada um dos nossos progenitores, e passamos metade deste património aos nossos descendentes. Para além deste “código” genético, existem ainda mecanismos que regulam quando, como ou onde o produto de um gene é activado ou silenciado, sem necessariamente alterar a sua estrutura (área da epigenética).

Sabe-se que os genes podem sofrer alterações da sua sequência (mutações, deleções, outras), que podem ser desde ligeiras e reparáveis, até significativas e irreparáveis. Estas alterações podem ter impacto de gravidade variável, sendo uma das consequências mais significativas, o cancro.

Para uma célula originar cancro é necessário que um conjunto de alterações graves ocorram e vários mecanismos de salvaguarda falhem (por compromisso dos genes envolvidos na reparação genética ou suicídio celular, por exemplo).

Daqui se depreende que todas as pessoas estão em risco de ter cancro na vida. No entanto, o risco de desenvolver cancro não é igual para todas as pessoas.

Para além dos factores de risco não modificáveis (como a idade), quanto maior for a exposição a carcinogéneos (como tabaco, álcool, radiação UV, algumas infecções, entre muitos outros), maior será esse risco, e o efeito não será notado de imediato, mas sim após acumulação significativa de danos, o que pode levar décadas a manifestar-se. Estes factores são importantes porque a maioria dos casos diagnosticados de cancro são esporádicos, por oposição a hereditários (até 10%). Mas estes 10% são um número a considerar tendo em conta os avanços na medicina que nos permitem cada vez mais actuar na prevenção, mas também com tratamentos específicos cancro hereditário com mutações específicas.

As alterações que ocorrem especificamente nas células germinativas (gâmetas) poderão ser transmitidas aos descendentes ou acontecer ainda in utero durante a gravidez. No entanto, pode não bastar apenas a presença de determinado gene alterado, daí o conceito de penetrância, que estima o risco individual de desenvolver cancro em função de uma alteração genética identificada, sendo que este risco pode ser extraordinariamente variável. Em certos casos, o risco é tão elevado que justifica a realização de cirurgias profilácticas (preventivas). Noutros, implica uma vigilância personalizada e ainda há situações em que o conhecimento científico é escasso e não existem recomendações específicas. Outros casos há em que nenhuma alteração genética de interesse é identificada, embora o risco possa, na realidade, existir.

Por isso, é normal que numa primeira consulta de Oncologia sejam questionados os antecedentes familiares de cancro, com interesse nos tipos de cancro e idades de diagnóstico. É importante identificar cancros em idade mais jovem, cancros raros ou vários diagnósticos na mesma pessoa, e o grau de parentesco, de modo a estratificar o risco. Esta avaliação inicial permite fazer uma triagem, nomeadamente, se o padrão identificado justifica referenciação para consulta de Risco Oncológico.

Uma determinada alteração genética num indivíduo pode ter implicações nos seus familiares. Para além disso existem, atualmente, alterações genéticas que servem de alvo para tratamentos com fármacos, constituindo mais uma opção terapêutica viável. A identificação destes genes alvo pode ser realizada através de sequenciação genética de tumores, ou seja é feita uma avaliação de centenas de genes de interesse, em simultâneo e em poucas semanas. É recomendado que este processo seja acompanhado por um profissional de saúde que ajude a interpretar e complementar os resultados, muitas vezes complexos. Como na grande maioria da população, os casos de cancro vão ser não-hereditários, o rastreio (exames que preconizam detetar cancros em fase assintomática) constitue ainda a melhor forma de diagnóstico precoce, que mesmo em tempos de pandemia, não podem ser adiados ou ignorados.

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