Monstros simpáticos que gostam de livros e de papas de aveia
Uma história escrita para uma criança ainda por nascer conquistou o maior prémio de literatura infantil do país.
Monstros minúsculos vivem numa aldeia instalada nas molas do colchão de Olívia, mas o autor faz imediatamente saber que não é caso único: “Acontece em praticamente todas as casas, nas molas dos colchões daqueles que mais gostam de ler. Porque os monstros — e isso é que quase ninguém sabe — têm o vício das histórias.”
António Pedro Martins atribui-lhes nomes divertidos, Papa-Livros, Tira-Linhas, Tira-Teimas, Meia-Leca, Enche-a-Pança, Troca-Tintas, e características humanas, entre elas, a curiosidade. Por isso, ao descobrirem um livro de receitas, vão explorar os seus dotes culinários, enquanto toda a gente dorme.
Na noite seguinte, o Papa-Livros e o Enche-a-Pança convocam uma reunião porque descobriram que o livro dizia que a comida preferida de todos os monstros são as papas de aveia. Instala-se a dúvida: “E nós não conhecemos? Será que não somos verdadeiramente monstros?” Acabam por conseguir confeccioná-las, tornam-se fãs dessa iguaria e ganham a cumplicidade de Olívia.
Esta foi a história vencedora da 7.ª edição do Prémio de Literatura Infantil do Pingo Doce (em 2020), que vale 25 mil euros a quem a escreve. O autor, na altura da atribuição do prémio, explicou o que queria defender: “A importância de ler e aprender com o que os livros têm para nos ensinar, e a ideia de que não podemos dizer que não gostamos das coisas sem as conhecer.” Quando tinha acabado de saber que iria ser pai, esforçou-se por escrever algo para a filha por nascer, Olívia.
Querer ser publicado
Os outros 25 mil euros ficam para o ilustrador que se revelar com mais talento para transfigurar o texto em narrativa visual. No caso, foi Duarte Carolino, com quem o PÚBLICO falou por estes dias, nas vésperas de se encerrar a candidatura para a 8.ª edição (2 de Abril).
Quando se pergunta ao designer e ilustrador, que trabalha no gabinete de comunicação da Câmara de Tomar, se se identificou imediatamente com a história, responde com sinceridade: “Num primeiro momento não, no entanto, ao longo do processo acabou por se tornar mais familiar e próxima.”
Diz-nos ainda que a motivação principal para concorrer foi “tentar ser publicado”, sem deixar de acrescentar: “Claro que o valor em causa é uma motivação extra.” No entanto, desculpando-se pelo cliché, “estava longe de pensar que ia ganhar”. Mas ganhou. E ainda bem. As figuras simpáticas que desenhou, não só enriquecem o texto, como lhe conferem mais humor e até serenidade para as crianças mais medrosas. Consegue transformar monstros em seres afáveis e bem-dispostos. Amigos com quem nos apetece tomar o pequeno-almoço.
A nosso pedido, descreve o processo de trabalho: “Comecei no papel, com muitos esboços, depois passei para o computador, onde incorporei texturas que produzi manualmente.”
As seis ilustrações apresentadas a concurso (que correspondem a seis planos, páginas duplas) foram uma amostra feliz e representativa, não só do registo escolhido, como da atmosfera pretendida, da diversidade de elementos, escalas, perspectivas e cores.
Tornar contemporânea a arte popular
Duarte Carolino, que foi tomando em consideração a opinião da filha de oito anos à medida que criava as novas ilustrações, diz que “genericamente ficou satisfeito com o produto final”: “Depois de saber que tinha ganho, o processo é muito rápido, os prazos para finalizar as restantes ilustrações são apertados (bem mais curtos do que num livro de ilustração editado de forma convencional) por isso era difícil fazer melhor.”
Para chegar à estética dos monstros do colchão da Olívia, socorreu-se da arte popular portuguesa, sobretudo inspirando-se e investigando os trabalhos de Rosa e de Júlia Ramalho (Barcelos). Deu-lhes contemporaneidade e novos rostos.
Formado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha, Duarte Carolino interessa-se por tipografia e, nos últimos anos, tem realizado vários projectos de serigrafia, na companhia de Matilde Beldroega.
Sete anos, 130 mil livros
O Prémio de Literatura do Pingo Doce teve a sua primeira edição em 2014 e já revelou 14 novos talentos na literatura para a infância e na ilustração e design gráfico. O total de sete obras publicadas traduz-se em mais de 130 mil livros disponíveis em mais de 400 lojas e a preços baixos.
Para Maria João Coelho, directora de Marketing do grupo, “o Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce vem reforçar o compromisso de promoção da literacia infanto-juvenil, através da democratização do acesso aos livros infantis, estimulando os hábitos de leitura em família, desde cedo”.
As candidaturas para a fase de texto terminam a 2 de Abril (Dia do Livro Infantil). Depois de conhecido o vencedor, a 5 de Maio (Dia Mundial da Língua Portuguesa), será a vez de os ilustradores terem o privilégio de conhecer a história em primeira mão e de a tentarem transpor para linguagem visual. Poderão então concorrer a partir de 13 de Maio e até 1 de Julho (Dia Mundial das Bibliotecas).
Se o leitor tem uma história na gaveta, está na altura de a tirar de lá. Se só a tem na cabeça, ainda vai a tempo de a escrever e de concorrer. Com ou sem monstros.