Entrevista de Harry e Meghan já fez rolar cabeças
Consta que cortar cabeças era fetiche de outro Henrique, o VIII. Mas, quase 500 anos depois, eis que um novo Henrique se mostra hábil na arte de fazer rolar cabeças.
Foi apenas uma entrevista, mas as suas consequências parecem sérias: além de o segundo filho do herdeiro da coroa e respectiva mulher terem posto em xeque a família real, à excepção da rainha e do marido, que se esforçaram por proteger, no Reino Unido, as declarações bombásticas da equipa Meghan e Harry (como são referidos na imprensa americana) acabaram por custar a posição de pelo menos dois britânicos em lugares proeminentes.
Piers Morgan
Notabilizou-se internacionalmente por ter feito parte do júri do Britain's Got Talent, a par de Amanda Holden ou Simon Cowell. Já em Portugal, foi aquele que conseguiu uma entrevista de fundo com o craque madeirense do futebol mundial, Cristiano Ronaldo. Mas, no Reino Unido, Piers Morgan é sobejamente conhecido por ter sido editor de títulos como News of the World (1994-1995) e Daily Mirror (1995-2004), além de, a partir do Outono de 2015, ser apresentador do célebre Good Morning Britain, no canal ITV.
Porém, nos últimos anos, Piers assumiu uma guerra pessoal contra Meghan. Segundo o próprio, os dois conheceram-se através de mensagens no Twitter e acabaram por se encontrar pessoalmente quando a actriz foi a Londres. Meghan era para Piers uma amiga que, por acaso, se ia encontrar pela primeira vez com o príncipe Harry no dia seguinte. E nunca mais terá ouvido uma palavra da jovem. Até ter conhecimento do noivado com o segundo filho do herdeiro da Coroa. E, a partir de então, o jornalista fez questão de não ocultar nenhum pensamento mais podre que teria sobre a jovem norte-americana.
A gota de água, porém, ocorreu dois dias depois da entrevista que Harry e Meghan deram a Oprah. Piers fez de tudo para defender a rainha e a família real, acusando o casal (sobretudo Meghan) de estarem a montar um espectáculo. Até que, na emissão de terça-feira de manhã, o co-apresentador Alex Beresford atingiu um nervo e Piers Morgan, em directo, abandonou o programa. Além disso, os seus comentários originaram mais de 41 mil queixas de telespectadores ofendidos.
É que a duquesa de Sussex falou abertamente sobre os pensamentos suicidas que a assolaram durante o período em que fez parte da família real, declarando que “simplesmente não queria estar viva”. Um clip exibido no Good Morning Britain, após o qual Piers Morgam afirmou: “Lamento, mas não acredito numa palavra do que ela diz.”
Resultado: a ITV anunciou a decisão de Piers Morgan em abandonar o programa. “A ITV aceitou esta decisão e não tem mais nada a acrescentar”, lê-se num comunicado.
Ian Murray
Um completo desconhecido aos olhos nacionais, mas um nome relevante para a imprensa britânica: Ian Murray era o director-executivo da Sociedade de Editores (SoE), uma espécie de associação de jornalistas, com mais de 400 membros, incluindo editores, chefes de redacção e sub-editores em jornais nacionais, regionais e locais, revistas, rádio, televisão e meios digitais, além de advogados especialistas na área e académicos.
Até que a entrevista de Harry e Meghan a Oprah e a sombra do racismo pairou de forma declarada sobre a imprensa britânica. Isso levou a que a SoE emitisse uma declaração, defendendo os media ingleses. “Não é aceitável que o duque e a duquesa façam tais afirmações sem fornecerem quaisquer provas”, disse Ian Murray.
Mas, em linguagem corrente, o tiro saiu pela culatra, com vários membros a anunciarem a sua retirada da associação e com jornalistas a retirarem as suas peças do concurso levado a cabo pela SoE, que premeia os melhores trabalhos jornalísticos a nível nacional. Em comunicado, a pivot da ITV Charlene White anunciou que não seria a anfitriã dos mesmos prémios.
Charlene White disse a Ian Murray que seria melhor encontrar outro apresentador. “Talvez alguém cuja visão coincida com a sua, que a imprensa do Reino Unido é a única instituição em todo o país que tem um histórico perfeito sobre raça.” Depois disso, o Bureau of Investigative Journalism retirou duas das suas nomeações da lista de candidatos para os prémios do SoE, dizendo que a declaração mostrava uma “falta de consciência e compreensão de problemas persistentes e enraizados”. E outros seguiram os mesmos passos.
Como resultado, Ian apresentou a sua demissão: “Desde que a declaração emitida, a SoE tem sido fortemente criticada”, começou por dizer. “Embora não concorde que a declaração da sociedade se destinasse de alguma forma a defender o racismo, aceito que poderia ter sido muito mais clara na sua condenação do fanatismo e que causou claramente aborrecimento.”