Criminalização de divulgação de nudes sem consentimento? Sim e depressa

Não podemos continuar a ignorar esta questão. E não podemos olhar para este crime como uma mera violação da reserva da vida privada.

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Muito embora a nossa legislação penal já preveja o crime de divulgação de imagens não consentidas em contexto de violência doméstica, fora deste esta conduta aos olhos da lei é vista penalmente como crime de devassa da vida privada. Assim, este crime específico de divulgação de nudez sem consentimento carece de valoração maior e não pode ficar para além do já previsto.

Se, por um lado, a tecnologia produz alterações comportamentais, também é verdade que o confinamento trará mais aproximação digital, e sabendo que os mais jovens são vítimas mais vulneráveis, a discussão e aprovação por parte do Parlamento da proposta de criminalizar este tipo de comportamento merece a melhor atenção. De referir que primeiro país a legislar sobre esta matéria foi as Filipinas, em 2009.

Em Portugal, e à luz legislação vigente, ainda temos pouca matéria legal que preveja este tipo de crime em específico. Prevendo somente no caso de violência doméstica, a criminalização desta conduta implica uma relação conjugal, deixando de lado outros âmbitos e outras realidades, nomeadamente os que estejam fora de uma relação amorosa.

Todas as questões criminais que possam cair neste contexto (envio de nudez sem consentimento) têm um tratamento jurídico leve que se enquadra no crime de devassa da vida privada com pena de multa ou até 1 ano de prisão. E é aqui que reside a questão essencial. Será esta punição suficiente tendo em conta as consequências psíquicas que podem deixar marcas profundas nas vítimas? Parece-me manifestamente que não o é.

Ora, com esta proposta de lei alterando o código penal vigente e que irá ser levada ao Parlamento pela mão da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, pretende-se incluir este crime numa esfera penal mais gravosa. Se esta proposta for aprovada pelo Parlamento, este tipo de comportamento passará então a ter uma moldura penal de prisão até 5 anos.

A criminalização específica da divulgação de imagens íntimas sem consentimento, as tão afamadas nudes, não está suficiente e penalmente adequada à realidade existente. Portanto, é de aplaudir a proposta: que o agressor, violando um dos bens jurídicos mais importantes (a reserva da intimidade e da vida privada), consiga perceber, de uma vez por todas, que está na realidade a cometer um crime, e agora bem mais gravoso em termos penais.

Não podemos continuar a ignorar esta questão, não podemos ignorar os grupos de WhatsApp cheios de conteúdos sexuais, muitos deles não consentidos. E não podemos olhar para este crime como uma mera violação da reserva da vida privada. A questão merece mais atenção por parte do legislador que tem por obrigação analisar a evolução da sociedade, impondo as devidas regras penais quando essa mesma evolução pode impedir o crescimento normal da humanidade.

Legislar é isto. Saber onde estão as lacunas e prever as suas consequências.

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