TAP, reestruturação ou embuste?

São demasiadas perguntas sem resposta para as quais exigimos cabais esclarecimentos. Não chega dizer que se quer dialogar, é absolutamente necessário concretizar esse diálogo informado.

No último ano, muito se disse e escreveu sobre a TAP. Mas de que TAP se tem falado? Falamos da TAP SA, a operadora aérea nacional, ou da TAP SGPS, gestora de participações sociais do Grupo TAP? Falamos daquela TAP onde trabalhamos, e pela qual vestimos a camisola e nos entusiasmamos, ou falamos da outra, da que tem servido de “árvore das patacas” a alguns aventureiros?

A confusão entre as duas parece ser propositada e o seu esclarecimento deverá ser o primeiro objetivo a alcançar. Manter esta “mistura de “TAPs” serve apenas para manipular os trabalhadores e a opinião pública, para melhor “vender” a ideia de que a TAP SA é uma empresa de privilegiados, e que são estes a causa primeira, senão a única, da gravíssima situação em que a empresa se encontra.

A TAP SA, embora tenha apresentado resultado negativo no exercício de 2019, segundo os responsáveis devido ao elevado nível de investimento em curso, era, no entanto, elogiada por todos. Pelos media, pelos comentadores de todos os matizes, pelo CEO e também pelo CA que, como se sabe, tem vários membros nomeados pelo Estado Português e representa-o, porque 50% do capital já era público.

Podemos assim considerar que até março de 2020, mês em que a pandemia impôs a sua lei, a TAP SA estava bem e, segundo os responsáveis, atingiria resultados positivos no final do exercício de 2020. Da outra TAP, a TAP SGPS, nunca se falou. Criada por Durão Barroso, em 2003, para facilitar a privatização da TAP por áreas de negócio, foi-se mantendo apenas para acomodar os resultados dos maus negócios, de que é exemplo a compra da então VEM, posteriormente M&E Brasil, que, só por si, já aportou mais de 1000 milhões de euros de prejuízos à sociedade.

Quando a frota da TAP parou e provocou a rotura total nas receitas, a TAP SA, tal como todas as outras companhias aéreas do mundo, procuraram nos respetivos governos fundos públicos que as mantivessem enquanto as receitas não voltassem. De uma forma geral, todos estes financiamentos foram realizados tendo por contrapartida a subscrição de partes de capital dessas empresas.

À TAP SA surge, assim, um primeiro problema a resolver: a necessidade da recomposição da estrutura acionista. A alternativa era o Estado Português garantir o financiamento da companhia sem poder obter qualquer garantia, visto que o pacto social resultante do processo de privatização vedava ao Estado a possibilidade de subscrever mais de 50% do capital social.

Começou, neste momento, a “promiscuidade” entre as duas TAPs. À boleia de um Governo talvez demasiado europeísta, a UE viu nesta situação a oportunidade de aprofundar a concentração no transporte aéreo, conforme sonhado pelos “gurus" da liberalização do início dos anos 90 e prosseguida, no início do século, pela comissária Loyola de Palacio.

Na sequência desta ação, resulta que a TAP SA, segundo o Governo, não tem direito ao apoio que todas as outras companhias aéreas do mundo tiveram por causa da pandemia e esta circunstância pode também fazer a diferença entre termos TAP ou ficarmos sem ela. Como explicar que a TAP tenha sido discriminada ao contrário, por exemplo, da Alitalia, que há anos só sobrevive com “ajudas de Estado”, oficialmente proibidas pela mesma UE?

A TAP SA era, ao tempo (março de 2020), uma empresa solvente e, segundo o CEO e o CA, em ano de resultados positivos. A outra, a TAP SGPS, é, desde há muito, uma empresa insolvente com um passivo superior a 1,4 mil milhões de euros e com capitais próprios negativos de mais de 500 milhões de euros.

Porquê fazer então neste contexto um plano de reestruturação da TAP SGPS? Como entender que, em simultâneo com o necessário financiamento à TAP SA para a proteger da falta de receitas, alguém se tenha lembrado de fazer a reestruturação do balanço da TAP SGPS, para o qual contrataram o Deutsche Bank? Lamentavelmente, os factos colocam a descoberto a intenção de aproveitar o doloroso momento que vivemos para limpar o passivo da TAP SGPS à custa dos trabalhadores da TAP SA, colocando assim em risco mais de 100 mil postos de trabalho, diretos e indiretos.

Fala-se do excesso de trabalhadores e de custos de pessoal na TAP SGPS, mas a solução que apresentam é cortar salários e despedir trabalhadores na TAP SA. Mas, repare-se, fala-se em reduzir os custos de pessoal (cerca de 690 milhões de euros) numa empresa onde só a rubrica de “fornecimentos e serviços externos” ascende a mais de 2,4 mil milhões de euros.

Além disso, tem sido também profusamente difundido que, no plano de reestruturação, existem dois marcos importantes no tempo. O primeiro deles, o momento do equilíbrio financeiro, e o segundo, o da capacitação da empresa para pagar dívida. Mas de que dívida falam? Da dívida obrigacionista contraída recentemente pelos acionistas privados, ou da outra, da dívida da TAP SGPS resultante dos maus negócios realizados ao longo de anos? E o atual financiamento para fazer frente à ausência de receitas também é dívida ou será capital? E a verificar-se esta última hipótese, como ficará o quadro acionista?

São demasiadas perguntas sem resposta para as quais exigimos cabais esclarecimentos. Não chega dizer que se quer dialogar, é absolutamente necessário concretizar esse diálogo informado.

Falando dos trabalhadores de terra, os que representamos, afirmamos categoricamente que tudo é ainda mais estranho. Querem suspender a contratação coletiva aos trabalhadores da Cateringpor, mas certamente ninguém se lembrou que nesta empresa não existe qualquer instrumento de regulação coletiva em vigor. Querem também suspender o Acordo de Empresa aos trabalhadores da Portugália ignorando que estamos a falar de uma pequena companhia (120 trabalhadores de terra) que trabalha agora como nunca trabalhou.

Será que também vão cortar os salários e suspender a contratação coletiva aos cerca de 500 trabalhadores da TAP M&E Brasil? Ou os cortes salariais e os despedimentos de que falam na TAP SA são apenas para os trabalhadores portugueses?

Entretanto, aguardamos que nos digam, frontalmente, ao que vêm. Os Acordos de Empresa do pessoal de terra, da TAP SA e da Portugália, são já eles próprios acordos minimalistas que consagram apenas o essencial dos direitos laborais que estão em vigor em Portugal. Além disso, para que todos saibamos do que estamos a falar, é essencial que sejam conhecidos os custos de pessoal por setor. Ou seja, aos 3500 trabalhadores de terra, que parte dos custos de pessoal corresponde? Só assim será aceitável exercer o diálogo informado que há muito reclamamos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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