Como ficou a TAP em 1994 quando recebeu 1450 milhões do Estado?

Um corte de 40% no número de trabalhadores, reduções de 10% nas rotas europeias e menos seis aviões. A reestruturação que aconteceu há uma década ainda é uma opção, se a companhia não for privatizada.

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Administração da TAP e o ministro João Cravinho, em 1996, durante a aplicação do plano de reestruturação PÚBLICO/Arquivo

A 6 de Julho de 1994, Bruxelas aprovava os auxílios estatais à TAP, justificados pelo governo de Cavaco Silva com a “situação financeira precária” da empresa, numa decisão publicada no Jornal Oficial da União Europeia. Mas sob condições muito restritas. A administração da companhia já tinha em curso um plano de ajustamento que levou à saída de mais de mil trabalhadores, mas a Comissão Europeia pediu mais compromissos.

A companhia entregou, então, um relatório feito por um grupo de consultores que apontavam oito cenários para o futuro da companhia e que iam de uma opção de maior continuidade, antevendo como consequência o colapso da TAP, a um caminho mais radical, que previa a eliminação de mais de cinco mil empregos e de 16 aviões. A proposta do Estado português, que acabaria por ser aceite pela Comissão Europeia, passava por seguir o segundo cenário desenhado pelos consultores.

O compromisso de base era fazer regressar a transportadora aérea a uma situação de equilíbrio ao fim dos quatro anos de injecção de dinheiro público. No entanto, para lá chegar, seria necessário aplicar um plano de corte de custos profundo. No Jornal Oficial da União Europeia de 6 de Julho de 1994 são elencadas essas medidas, que viriam todos os anos a ser alvo de fiscalização por parte de Bruxelas, para que fosse aprovada a nova tranche anual de capitalização pública.

Logo no primeiro ponto, a TAP comprometia-se a fazer uma reestruturação interna, concentrando-se na sua actividade principal (e mais lucrativa), o transporte aéreo, e autonomizando as restantes aéreas de negócio, como o handling, mas sem deixar de ter uma “gestão integrada” de todas as empresas que possuía, como refere o documento. Uma das garantias pedidas pela Comissão Europeia era a de que não comprasse mais empresas ou participações. A companhia cumpriu o plano, embora anos mais tarde tenha feito alguns negócios que se revelaram ruinosos, como a aquisição da unidade de manutenção no Brasil que pertencia à falida Varig.

O segundo ponto do plano impunha uma redução de quase 40% no número de trabalhadores, que deveria passar de 9691 em 1993 para 7110 daí a quatro anos (ou seja, um corte de quase 2600 empregos). Mas a reestruturação também implicava medidas para aumentar a flexibilidade laboral, bem como congelamentos salariais nos dois primeiros anos da injecção de dinheiro do Estado. E impunha o encerramento de todas as delegações da TAP na América do Norte, com a consequência supressão de 90 postos de trabalho.

Com o passar dos anos, a companhia entrou num movimento inverso, fazendo acompanhar o crescimento da rede de novas contratações e, por isso, chegou ao final de 2014 com 13.268 pessoas no quadro. Os salários teriam sofrido cortes, a partir de 2011, na sequência das medidas de austeridade aplicadas às empresas públicas, mas a TAP foi, a par da CGD, excepcionada das reduções remuneratórias. Mesmo o conselho de administração, o mais bem pago no universo do Sector Empresarial do Estado, viu o seu vencimento protegido, enquanto outros gestores públicos tiveram o salário limitado ao do primeiro-ministro.

Quanto à rede, a TAP foi forçada a eliminar “as rotas cronicamente deficitárias” no espaço europeu, com um corte de 9,5% na oferta, assim como a abandonar todas as frequências para a América do Norte, à excepção de Nova Iorque, lê-se no jornal oficial. Até porque a frota da companhia teve de ser ajustada, já que uma das medidas do plano passava por eliminar seis dos 38 aviões. Qualquer reestruturação que ocorresse agora teria, naturalmente, um impacto muito maior, visto que a operação da empresa cresceu significativamente nos últimos anos, seja em número de destinos ou de aviões, que hoje são já 75.

A Comissão Europeia também impôs uma série de metas quantitativas em termos de resultados do grupo, obrigando nomeadamente a que atingisse capitais próprios positivos e lucro operacional (algo que está muito longe da realidade actual, uma vez que o primeiro indicador está negativo em mais de 500 milhões de euros e o segundo caiu para prejuízos de 6,5 milhões em 2014). Finda a reestruturação, Bruxelas fazia uma outra exigência importante: que Portugal iniciasse, em 1997, “o processo de privatização parcial do capital da TAP”.

A venda foi tentada, no final da década de 90, tendo chegado a ser assinado um acordo para a alienação de 35% do capital da companhia à Swissair. Mas o negócio não se concretizou e o parceiro estratégico, como na altura era descrito, acabou por encerrar portas. Em 2012 houve nova tentativa, que fracassou com a rejeição da oferta de Germán Efromovich, tendo o processo sido relançado pelo actual Governo, que na próxima semana decide se a TAP fica ou sai das mãos do Estado.

Se se mantiver na esfera pública, tornar-se-á incontornável a injecção de dinheiro público e, consequentemente, uma reestruturação que terá de passar pelo crivo de Bruxelas. E, a julgar pelas decisões que têm sido tomadas, como a que recentemente implicou cortes profundos na polaca Lot, a TAP jamais será a mesma.

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