Carlos do Carmo, um homem na Galiza
Também na Galiza Carlos do Carmo foi venerado e bem-querido, porque soube entender e conhecer o nosso património comum, as nossas origens culturais.
Depois de um ano incerto e emocionalmente muito intenso, estávamos querendo carregar no 2021 todos os bons desejos, ilusões e esperanças. Mas não podia começar pior o 2021 com a notícia triste da morte de Carlos do Carmo, um referente do fado no mundo, um homem que agarrou a madrugada como uma criança, que acordou com o seu canto a minha cidade amada, Lisboa. Ali, com o poeta Ary dos Santos, colheu a flor perfumada de Abril e da liberdade para levá-la na sua voz até à eternidade, no voo de uma gaivota e as aves todas do céu na sua despedida, com o seu coração nas mãos de toda a gente que o amou.
Também na Galiza foi venerado e bem-querido. Deixou um regueiro de amizades porque soube entender e conhecer o nosso património comum, as nossas origens culturais.
Manteve sempre uma relação muito afectiva com a nossa terra e comigo até o ponto de poder considerá-lo um bom amigo e o meu pai adoptivo em Portugal.
Nunca deixou de marcar um almoço ou jantar em cada visita a Galiza e foi um excelente anfitrião na sua casa lisboeta junto à querida Judite e seus queridos filhos. Conversar com ele foi sempre uma permanente aprendizagem.
Quando veio ao festival Cantos na Maré, foi mágica a sua participação, marcante e conectada com o espírito do festival, que pretende mostrar a diversidade e riqueza da música lusófona provocando encontros e parcerias. Ele sempre se mostrou aberto a essa interacção onde um cavaquinho brasileiro ou uma gaita galega podia fundir-se num fado tradicional sem preconceitos nem espartilhos muito puristas. Ali, como em cada um dos seus concertos, demonstrou que era um autêntico animal de cena e, como sempre, nos cativou com a sua simpatia dentro e fora do palco e com um poder de comunicação com o público que só os grandes possuem.
Juntámos as nossas vozes pela primeira vez no Choro alegre do disco do meu guitarrista, o “brasilego” Sérgio Tannus. Um prazer como poucos na vida. A letra expressa o meu sentimento de carinho filial e infinito: O amor não teve início e nem fim ele terá…
O fado perde a um referente e um cavaleiro “charmoso”, de máxima elegância no canto e na vida e nós teremos muitas saudades, muitas mesmo, mestre!