Ofensiva diplomática da China promete 600 milhões de doses de vacinas para a covid-19

Mais de uma dezena de vacinas chinesas estão a ser testadas, e três delas podem ser aprovadas ainda em Dezembro. Sem epidemia no país, o objectivo de Pequim é exportá-las.

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A vacina desenvolvida pela Sinovac, que foi testada no Brasil, é uma das que está mais avançada Reuters/THOMAS PETER

A promessa é esmagadora, parece meter num canto as farmacêuticas ocidentais se for cumprida. “A China terá 600 milhões de doses de vacinas para a covid-19 prontas para lançar no mercado este ano”, declarou Wang Junzhi, vice-director da equipa do Governo chinês que coordena o desenvolvimento de vacinas, numa conferência em Wuhan, a cidade onde o novo coronavírus foi pela primeira detectada. 

Encerrar um ano horrível para a humanidade por causa de um vírus que se revelou na China com uma vitória para a ciência chinesa é a óbvia intenção de Pequim. Que diz sentir um dever moral de agir, depois de os Estados Unidos se terem recusado a assumir um papel de líder nesta crise global, saindo da Organização Mundial da Saúde. Não se sabe quanto financiamento foi canalizado na China para apoiar a investigação de novas vacinas contra o novo coronavírus, mas foi de certeza uma prioridade, assegurava uma notícia na revista científica Nature no início de Dezembro.

O Presidente chinês, Xi Jinping, disse na Assembleia Geral da OMS, em Maio, que as suas vacinas serão “um bem público global” e tem multiplicado acordos com países com os quais promete partilhar as suas vacinas, em troca de lá realizar ensaios clínicos. A “diplomacia das vacinas” rende-lhe simpatias entre países negligenciados pelos EUA, que não mostrou disponibilidade para apoiar outros países a conseguirem vacinas contra a covid-19.

Tecnologias clássicas

Subsistem, no entanto, dúvidas sobre a capacidade da indústria farmacêutica de Pequim para cumprir essas promessas e compromissos – as dificuldades da Pfizer mostram que a ocidental pode ter alguns problemas em satisfazer a procura.

Com a pandemia controlada no seu território, a China foi fazer ensaios clínicos noutros países onde o novo coronavírus continuou a correr montes e vales. Fê-los na América do Sul, na Ásia e no Médio Oriente, diz o SCMP, mas não foi divulgando grande coisa dos seus resultados. Não investiu em tecnologias inovadoras, como o ARN mensageiro (ARNm) da Pfizer-BioNtech e da Moderna. Apostou em vez disso com várias vacinas que usam tecnologias mais clássicas (vírus inactivado ou vectores virais).

A China está determinada em fazer triunfar a “diplomacia das vacinas”, aplicando as lições aprendidas com o que falhou com “a diplomacia das máscaras”, quando a pandemia alastrou e faltavam máscaras e outro material de protecção em toda parte do mundo por onde o vírus alastrava, comentou Huang Yanzhong, do Council on Foreign Relations, citado pelo Financial Times. Os governos europeus rejeitaram materiais chineses, por não terem qualidade – mas as vacinas chinesas, se chegarem na altura certa a um mercado ansioso por elas, podem reescrever esta história.

Várias empresas chinesas, todas na órbita do Governo, estão a desenvolver vacinas contra a covid-19 desde o início do ano – e pelo menos três das mais de dez vacinas que estão em ensaios clínicos (há números divergentes) estão a terminar a fase 3, a última antes de poderem ter autorização de utilização, diz o jornal de Hong Kong South China Morning Post (SCMP).

Pressa em São Paulo

Uma delas, a desenvolvida pela Sinovac, já está a chegar a alguns países. Esta semana, a Indonésia, um dos países asiáticos mais afectados pela pandemia, recebeu 1,2 milhões de doses, noticiou a agência Xinhua – um adiantamento sobre as 40 milhões prometidas por Pequim até Março de 2021. No Brasil, no estado de São Paulo, ainda antes de se saber se a vacina é eficaz, o governador, João Dória, anunciou já que quer começar a vacinar a partir de 25 de Janeiro.

O grupo Farmacêutico Nacional da China (Sinopharm) tem duas vacinas em desenvolvimento, que foram testadas noutras países – e cujo uso foi já autorizado na China, ao abrigo do programa de uso de emergência. Militares foram os primeiros a serem inoculados com estas vacinas experimentais, mas também civis, por exemplo funcionários de empresas que actuam no estrangeiro, como os da Petro China, noticiou o New York Times. As empresas CanSino e Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical também têm vacinas em ensaios clínicos de fase 3.

Sem ter a necessidade imperiosa da vacina para a população chinesa, uma vez que a covid-19 está controlada no país, a China tornou uma prioridade o desenvolvimento de vacinas. “Esta é uma estratégia pensada e executada com muito cuidado”, comentou num artigo noticioso na revista Science Stephen Morrison, que dirige o Centro de Políticas Globais de Saúde do think tank Centro de Estudos Estratégicos Internacionais. “Um objectivo estratégico do Governo chinês é alcançar uma influência hegemónica na bioeconomia na próxima década”, adiantou.

A vice-primeira-ministra Sun Chunlan mostrou que esses objectivos são para cumprir, nas declarações que fez numa visita na semana passada a duas das empresas chinesas com as vacinas mais avançadas. “Temos de nos preparar para produção em larga escala e cumprindo as exigências de qualidade e de biossegurança”, afirmou, citada pela agência Xinhua. Na Administração Nacional de Produtos Médicos, a agência que regula os medicamentos na China, Sun pediu que fosse reforçada a exigência e aplicados “padrões e protocolos reconhecidos internacionalmente” para a aprovação das vacinas contra a covid-19, diz o jornal tailandês Asia Times.

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