Aprender com as árvores
Talvez possamos utilizar a dolorosa aprendizagem deste momento para não voltar ao que nos querem fazer crer que é a “normalidade”, que não é mais do que uma “normalização” imposta por um modo de existência predatório.
Em Overstory, o magnífico livro do americano Richard Powers, vencedor do Pulitzer em 2019, somos convidados a imergir na vida das árvores. A partir da história de nove personagens que descobrem que a sociedade em que vivem está profundamente doente, é-nos mostrado que existem formas de vida tão ou mais ricas e diversas do que a humana. É uma obra de ficção, mas onde se revela que a existência das árvores é feita em comunidade, em comunicação e actuação conjunta. O lema é óbvio: os humanos têm muito a aprender com a forma de organização das árvores.
Pensei nesse livro há dias, enquanto via o documentário Uma Vida no Nosso Planeta, do naturalista britânico David Attenborough, de 94 anos, que constituiu mais um alerta sobre o estado de emergência ambiental em que vivemos, com o planeta esgotado e degradado. Essa urgência é o melhor que o documentário oferece. A limitação é que se concentra muito nos efeitos e pouco nas causas e eventuais soluções. E a questão é: será possível atenuar os problemas apelando apenas à boa consciência de cada um, sem questionar estruturas de poder, modelos económicos, lógicas de acumulação de lucro ou de crença no crescimento infinito? Não é crível.
Livro e documentário convergem, no entanto, na ideia de que não é possível continuar a pensar que transcendemos a natureza graças à razão. É essencial mudar a relação com outras espécies e formas de vida, passando de uma perspectiva antropocêntrica, onde somos a medida de todas as coisas, para uma interdependente. Mas estamos longe desse quadro. Em Maio, em entrevista a Timothy Morton, um dos filósofos do antropoceno, este dizia-nos que a pandemia não podia ser dissociada dos problemas fixados nas nossas relações e na forma como vivemos com outras espécies e entidades. “A violência que infligimos ao planeta é a causa desta pandemia e outras por vir. A percepção antropocêntrica do mundo, que opera com base na capitalização de qualquer coisa viva, trouxe-nos aqui”, reflectia.
O desafio é, então, aprender a viver de forma não predatória, entendendo que somos parte da terra e não os seus amos. O vírus veio recordar-nos que o nosso destino está enlaçado com as demais criaturas e entidades. Mas vai demorar a alcançar esse entendimento. Vê-se isso quando falamos em “isolamento social” ou em “guerra” contra o vírus, como se nos posicionássemos fora da natureza. É curioso observar como perdemos mobilidade com a pandemia, mas isso contribuiu para que muitas outras espécies a tenham ganho, ou que, durante o confinamento, o ar, a luz, o espaço, o silêncio, o céu e a água se tenham renovado. Todos os ecossistemas vivem num dinamismo paradoxal, entre tensão e vulnerabilidade, podendo ser tão criativos como parcialmente destrutivos.
Talvez possamos utilizar a dolorosa aprendizagem deste momento para não voltar ao que nos querem fazer crer que é a “normalidade”, que não é mais do que uma “normalização” imposta por quem tem beneficiado de um modo de existência extractivo, onde tudo é concebido como mercadoria, baseado num saber mecanicista que tem sido incapaz de compreender a vida nas suas múltiplas cambiantes. Não tem de ser assim.
O livro de Richard Powers, tal como a ciência, mostra-nos como numa floresta se processa a cooperação, se fomenta a diversidade, a comunicação eficiente ou a distribuição de água, sem gerar desperdícios, ou como se acciona a respiração, a procura de luz e espaço ou a permuta de comunicação sobre vegetação, relevos ou riscos iminentes. Mostra-nos que não existimos nós, os seres humanos, de um lado, e a natureza, do outro. O planeta é um complexo organismo vivo de coabitação, de afectação mútua e conectividade entre diversas formas de existência. Temos estado cegos à interconexão da natureza. É vital despertar para ela.