Do ambiente à luta contra o casamento infantil, a ModaLisboa é feita de causas
Segundo dia do evento deu-se na Estufa Fria. A fechar esteve Luís Carvalho com cores sóbrias e linhas clássicas.
O segundo dia da ModaLisboa arrancou nesta sexta-feira na Estufa Fria com Awaytomars, Béhen, Duarte, Constança Entrudo e Luís Carvalho. Das novidades aos desfiles mais clássicos, de paletes cruas a paletes mais vivas, a semana da moda trouxe de tudo um pouco à capital.
O primeiro desfile do segundo dia da ModaLisboa foi de Awaytomars, que deu ao público não um desfile, mas sim um espectáculo artístico em que as modelos se encontravam espalhadas pela Estufa Fria. As modelos envergavam uma longa peça de roupa branca – quase como uma tela – onde 11 artistas convidados pela marca pintavam cada um a sua tela. Viu-se um pouco de tudo: colagem, sobreposição de tecidos e materiais, escrita, graffiti, aguarela, entre outros.
Mais do que a criação no momento, a montra da marca tinha um objectivo muito claro, como explicou ao PÚBLICO Alfredo Orobio, co-fundador da Awaytomars. A finalidade era alertar para sete temas que têm de ser resolvidos no mundo actual, como igualdade racial, justiça salarial, o papel da mulher na sociedade, liberdade de discurso, alterações climáticas, entre outros – temas que Orobio considera terem de “ser solucionados para podermos viver como sociedade”.
“Tudo começou em Fevereiro”, conta o designer. Em conjunto com Marília, também co-fundadora da marca, viram-se perante uma “situação muito triste”. Fechados em casa, começaram a pensar qual seria o seu papel no meio do caos. Decidiram então criar um “manifesto positivista” que foi esta sexta-feira apresentado ao público.
Com a roupa criada no desfile serão feitas 11 sweatshirts. De acordo com Alfredo Orobio, os lucros reverterão para sete organizações não-governamentais relacionadas com as causas defendidas, e para os artistas que trabalharam com eles. Esta colecção será a primeira da marca com uma pegada de carbono totalmente neutra.
Colchas da avó contra o casamento infantil
Joana Duarte, designer da marca Béhen (que significa “irmã”, em hindi), apresentou uma “ode à infância”. Baseando-se na ideia de casamento nas diferentes culturas, as vendas desta colecção irão reverter, em parte, para uma organização que luta contra o casamento infantil.
Com vestidos da década de 1980, encontrados pela Humana, associação que recolhe roupa usada, com quem fez parceria, e colchas e outros materiais “da avó”, Joana Duarte criou uma colecção delicada, com bordados, contas e cristais Swarovski (que, segundo a designer, representam “lágrimas de felicidade”), tudo feito à mão. Uma colecção sustentável, como todo o seu trabalho enquanto criadora.
A artista considera que a pandemia e a quarentena não mudaram muito a maneira de olhar para o seu trabalho e para o mundo, pois a marca “é um projecto que tem muito impacto em termos sociais”. Joana Duarte explica que “uma percentagem [das vendas] é dada a crianças sírias que estão no Líbano”. No entanto, admite que a quarentena a ajudou a parar e a pensar melhor os seus passos.
Ainda assim teve de se reinventar, como a maioria das pessoas com negócio próprio. Segundo Joana Duarte as vendas não diminuíram muito, mas teve de encontrar novas narrativas, novas formas de se aproximar do seu público, entre elas fez conteúdos com a sua avó, que diz ser parte fundamental da sua marca.
Fechar com Luís Carvalho
Luís Carvalho, designer de apenas 32 anos que já vestiu diversas celebridades portuguesas, tinha a casa cheia – dentro do possível, tendo em conta a situação vivida com a pandemia de covid-19.
O criador tinha em mente “desconstruir o clássico”, revela ao PÚBLICO. E assim cumpriu: linhas clássicas com um toque desportivo, com cores claras, cruas e sóbrias na sua maioria – um toque de intemporalidade. Uma colecção coesa com uma pequena surpresa no fim: três manequins vestidos de rosa-choque dos pés à cabeça. Para Luís Carvalho é uma colecção que segue a sua última, apresentada na 54.ª edição da ModaLisboa, mas “quis anular a mistura de cores”.
Porém, até chegar a este produto, o designer teve altos e baixos. Admitiu que “no início [da quarentena] estava um bocado perdido, sem saber o caminho que queria seguir”. No entanto, decidiu não se limitar porque “este era o momento para ser criativo” e para fazer o que o deixa feliz.
A pandemia não foi fácil para a marca. “Foi um drama. De repente temos tudo parado, encomendas adiadas, foi muito complicado”, reconhece. Mas o autor persistiu porque a palavra “desistir” não está no seu dicionário.