A pandemia, as universidades e as lições de Darwin
A crise desencadeada pela covid-19 representará, porventura, uma ameaça séria para o sistema universitário. Contudo, há caminho para ousar uma mudança.
Qualquer crise é, normalmente, encarada com melancolia e desgraça. Mas pode também representar uma oportunidade séria de mudança. Tomemos o caso concreto da ciência: a pandemia de influenza, em 1918, chamou a atenção para a virologia; a Segunda Guerra Mundial estimulou a física e a engenharia; a atual pandemia produzirá efeitos na ciência, na tecnologia e nas universidades que as desenvolvem.
A crise desencadeada pela covid-19 representará, porventura, uma ameaça séria para o sistema universitário, quer pela potencial perda de alunos, quer pela quebra nas receitas ou pela perturbação induzida no ensino e na investigação. Contudo, há caminho para ousar uma mudança.
O ensino sofrerá alterações, baseando-se num novo modelo de conteúdos programáticos, que, tirando partido das novas tecnologias, possa melhorar a experiência, a eficiência e a eficácia do mesmo, numa harmoniosa hibridização entre presencial e remoto. Há, aqui, duas enormes oportunidades de melhoria para o ensino universitário: alargar o acesso, tornando-o mais acessível a quem não pode aceder-lhe; estreitar a ligação entre as universidades e a indústria, nomeadamente a da comunicação digital, envolvendo-a nas novas soluções de ensino.
Quanto à investigação, achou-se, repentinamente, focada na covid-19. Só o volume de artigos científicos sobre a pandemia, publicados nos últimos seis meses, terá ultrapassado as duas dezenas de milhar. Mas também o modo como fazemos investigação foi forçosamente alterado, encurtando-se o caminho que conduz à inovação e levando-nos a uma nova missão: produzir soluções rápidas para minimizar os efeitos da pandemia. Os investigadores passaram a partilhar mais abertamente os seus resultados e a responder à pressão do tempo para obterem respostas. Mas haverá também mudanças estruturais, forçadas pelo financiamento, reduzido pelo enorme buraco económico gerado. Assim, a necessidade de colaborações com a indústria e o tecido empresarial impõe-se à ciência e à investigação no futuro, desafio que devemos tomar como oportunidade positiva para uma nova era de desenvolvimento.
Também a competição de mercado, que tem levado à excessiva proliferação de escolas, deve ser agora repensada. É essencial ter como primado a oferta de programas distintivos de alta qualidade, a justificar a atração das elites nacionais e internacionais de alunos.
A pandemia produziu um choque cultural nas sociedades, colocando ênfase no papel da saúde. O que parecia despesa é, antes, investimento. Esperando-se uma maior procura académica por esta área, cabe às universidades dar resposta. Aos governos, cabe, no investimento e na priorização, colocar um maior foco na saúde, o que, verdadeiramente, nunca existiu.
Como após todas as crises, haverá, na sequência da covid-19, uma procura acrescida pelo ensino superior. As universidades deverão manter a responsabilidade social de permitir o acesso aos financeiramente mais afetados pela pandemia. As universidades, os governos e as empresas deverão atender a mais esta responsabilidade ética e social, também ela uma nova aprendizagem forçada pela crise que atravessamos.
É por todas estas razões que as Universidades encaram, no período pós-pandemia, uma colossal oportunidade de mudança, o pretexto de que precisavam para se transformarem e para melhor cumprirem a sua nobre missão. Como dizia Darwin, os que mais sobrevivem e melhor evoluem são os que se adaptam. É tempo de adaptação.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico