EUA pondera banir app de vídeos chinesa TikTok
Depois da Índia, políticos australianos e norte-americanos ponderam banir a aplicação de vídeos nos seus países. Donald Trump descreve a medida como uma forma de retaliação face à abordagem da China da pandemia de covid-19.
O mês de Julho não tem sido bom para a rede social TikTok, com o Presidente dos EUA, Donald Trump, a falar em proibir a aplicação de vídeos virais semanas depois de a Índia — o maior mercado do TikTok fora da China— banir a aplicação com base em preocupações de cibersegurança e da Amazon mandar uma mensagem (por engano) a pedir aos seus trabalhadores para desinstalarem a aplicação. Desde então, vários políticos australianos também foram entrevistados a defender o mesmo para o seu país.
Em vez de preocupações de cibersegurança, porém, o presidente dos EUA descreve a decisão de bloquear o TikTok como uma retaliação pela atitude da China face à pandemia de covid-19. “É um grande negócio”, resumiu Trump, quando questionado sobre o TikTok, numa entrevista à estação de televisão Gray Television.
O TikTok nasceu em Agosto de 2017 pelas mãos da ByteDance, uma empresa chinesa dona de várias redes sociais, e da plataforma de notícias Toutiao (Manchetes, em português). Um dos seus focos é desenvolver ferramentas de inteligência artificial para “criar plataformas de conteúdo para ajudar pessoas a descobrir o mundo”. O objectivo do TikTok era ser a versão internacional da popular rede social chinesa de partilha de microvídeos Douyin.
O sucesso foi rápido. Em três anos, a aplicação tornou-se a sétima mais descarregada a nível global da última década, à frente de outras mais estabelecidas como o YouTube, segundo o balanço publicado pela consultora especializada App Annie no final de 2019. E a popularidade só cresceu com o isolamento social, com a aplicação a ultrapassar dois mil milhões de downloads em Abril de acordo com dados recentes da consultora Sensor Tower. A Índia, China e EUA são os países onde mais pessoas já descarregam a aplicação.
No final de Junho, porém, a Índia suspendeu 59 aplicações, incluindo o Tik Tok, e serviços das chinesas Xiaomi e Tencent, por serem “hostis para a segurança nacional” e “representarem uma ameaça para a soberania” do país.
Cibersegurança ou retaliação?
Embora os EUA também levantem questões de cibersegurança sobre o TikTok (desde Novembro de 2019 que o Comité de Investimento Estrangeiro dos EUA está a investigar a aplicação), quando questionado sobre o tópico, numa entrevista à Gray Television, o presidente dos EUA falou sobre a resposta da China à pandemia de covid-19.
Donald Trump tem criticado repetidamente o país asiático por alegadamente ter encoberto o surto no período inicial. Soma-se o facto de em Junho, a aplicação ter sido utilizada para enganar os organizadores de um dos comícios de Donald Trump em Tulsa quando um grupo de utilizadores reservou milhares de lugares no comício do presidente, apesar de não terem qualquer intenção de comparecer.
“A política da administração Trump sobre questões da cadeia de fornecimento digital entre os EUA e a China é fortemente orientada a nível político”, explica ao PÚBLICO Justin Sherman, membro da Cyber Statecraft Initiative, um programa do Atlantic Council, um think thank em Washington, EUA, que se foca em decisões geopolíticas baseadas em tecnologia. “A presente retórica sobre uma proibição do TikTok — uma ideia que é discutida vagamente, sem referência às muitas questões técnicas e legais que levanta — é melhor entendida como uma proposta política do que uma que tem a ver com segurança.”
Em 2019, a Huawei, outra empresa chinesa, viu-se no meio de uma disputa comercial entre os EUA o país de origem quando a administração de Donald Trump incluiu a empresa numa “lista negra” de entidades às quais as empresas americanas não podem fornecer serviços ou produtos.
Sherman ressalva, no entanto que “há questões sobre política pública que se tem de debater sobre o Tik Tok”, como a possibilidade do governo chinês aceder a dados dos utilizadores norte-americanos. “Mas isso não significa que as questões de segurança ou o acesso aos dados sejam o que está a conduzir a proibição que foi proposta recentemente”, clarifica Sherman.
Falhas e vulnerabilidades do TikTok
O PÚBLICO tentou contactar o TikTok para mais informações, mas não obteve resposta até à hora de publicação desta notícia. Em declarações a circular na imprensa internacional, um porta-voz da TikTok argumenta que não envia dados a Pequim e que os servidores do Tik Tok ficam fora da China, nos EUA e em Singapura. “Nunca fornecemos dados sobre os utilizadores ao governo chinês, nem o faríamos se nos fosse pedido”, explicou um porta-voz.
Por ora, não há provas concretas de que a aplicação seja um risco para a segurança nacional, embora já tenham sido detectadas várias vulnerabilidades na aplicação. Em Dezembro, por exemplo, a empresa de cibersegurança Check Point encontrou falhas na aplicação — entretanto corrigidas — que permitiam que atacantes vissem vídeos privados de alguns utilizadores e revelassem endereços de e-mails escondidos do público. Em Março, a empresa também foi acusada de aceder frequentemente ao clipbboard de utilizadores com aparelhos da Apple, uma ferramenta que permite copiar e colar informação entre dispositivos da marca. O Tik Tok disse que se tratava de uma medida para prevenir spam e actualizou a aplicação para deixar de o fazer.
A política de segurança ressalva, no entanto, que a empresa não pode garantir que nunca ocorram ataques: “Devem perceber que nenhum sistema de armazenamento ou transmissão de dados através da Internet, ou outra rede pública, pode ser descrito como 100% seguro.”
"Alguns decisores políticos irão certamente olhar para uma proposta de proibição do TikTok e considerá-la uma resposta atractiva por considerarem que o governo chinês está a usar empresas de Internet e tecnologia além-fronteiras para recolher dados, censurar e projectar poder”, argumenta Justin Sherman, investigador na área de cibersegurança e privacidade e membro da Cyber Statecraft Initiative. “Mas esta atenção a Pequim não se deve sobrepor a questões de regulação tecnológica interna de países democráticos. Neste caso, por exemplo, a criação de uma forte política de protecção da privacidade dos cidadãos”, sublinha Sherman. “E esta atenção a Pequim também não deve levar os decisores políticos democráticos a propor políticas nacionalistas para a Internet que imitem as dos países de que alegadamente se estão a tentar distanciar”.