Um problema global exige soluções globais: a resposta de Portugal ao impacto da pandemia nos países em desenvolvimento
O sucesso no combate à pandemia e aos seus efeitos dependerá, em grande medida, da solidariedade e cooperação entre os países. A apresentação do Orçamento Suplementar à Assembleia da República é, por isso, um momento determinante para orientar a resposta de Portugal à crise. Para a Plataforma Portuguesa das ONGD, é fundamental que o documento contenha as medidas necessárias para fazer face às consequências globais da pandemia.
Por altura da discussão do Orçamento do Estado para 2020, dificilmente imaginaríamos que, menos de cinco meses depois, a Assembleia da República seria chamada a aprovar alterações às medidas então apresentadas, sob a forma de um Orçamento Suplementar. Contudo, a verdade é que as perturbações causadas pela necessidade de suspender a atividade económica e de confinar uma parte significativa da população, como forma de evitar a propagação da pandemia, tornaram inevitável que o exercício orçamental previsto pelo Governo para 2020 tivesse de ser revisto.
Este será, por isso, um Orçamento de urgência que terá de responder às necessidades das pessoas mais afetadas pela crise sanitária e económica em Portugal. Ao mesmo tempo, e uma vez que estamos perante um problema global que não pode ser travado sem que os Estados cooperem e se solidarizem uns com os outros, parte do sucesso do combate às consequências da pandemia passa pela capacidade em aprofundar a ligação aos parceiros internacionais de Portugal. Esta é a posição que o Governo tem assumido firmemente no intenso debate interno europeu, onde a solidariedade tem sido entendida como a única saída para uma recuperação de olhos postos num futuro melhor.
Para a Plataforma Portuguesa das ONGD, o compromisso com a solidariedade enquanto elemento chave para a recuperação deve estender-se a todos os domínios da política externa, incluindo à política portuguesa de cooperação. O Orçamento Suplementar deve, por isso, ser dotado dos instrumentos necessários para que, em articulação com os países parceiros, a cooperação portuguesa seja capaz de se manter ao lado das populações mais afetadas pela crise. Isto implica, entre outras coisas, não restringir o apoio a uma lógica unicamente de curto prazo e centrada apenas no combate à pandemia, mas reforçar o foco em ações no combate à pobreza e às desigualdades, reafirmando a importância da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), promovendo planos de recuperação justos e sustentáveis e garantindo a manutenção e reforço do espaço de intervenção cívica e o respeito pelos Direitos Humanos.
Depois de duas descidas anuais consecutivas (2018 e 2019) nos níveis de APD, é fundamental que o Orçamento Suplementar seja capaz de robustecer a capacidade financeira da cooperação portuguesa. Mais do que nunca, é importante que a cooperação portuguesa disponha da capacidade adequada para responder ao apelo lançado pelas Nações Unidas sobre a necessidade de mobilizar fundos para os países em desenvolvimento. A qualidade da resposta de Portugal aos impactos da pandemia nos países parceiros da cooperação portuguesa depende, em larga medida, da afirmação da APD enquanto instrumento central para o financiamento de ações que sejam capazes de endereçar os problemas que afetam, não apenas no imediato mas a longo prazo, as populações mais vulneráveis.
Ao longo dos últimos anos, Portugal tem direcionado uma parte significativa da sua APD para Estados classificados como Países Menos Avançados. Este é um aspeto positivo, mas é igualmente importante que a alocação dos fundos tenha em consideração a necessidade de priorizar áreas sociais que promovam uma maior justiça social e igualdade entre cidadãos/ãs. Neste momento, e não minimizando a dimensão sanitária da crise, a Plataforma Portuguesa das ONGD considera importante que a APD utilizada como resposta às consequências da pandemia seja canalizada, não só para o setor da saúde como também para outros serviços públicos básicos. Para que tal seja possível, e uma vez que a APD portuguesa é distribuída através de vários ministérios e outros organismos públicos, é necessário apostar numa articulação efetiva entre os diferentes organismos públicos que desenvolvem iniciativas no âmbito da cooperação e as ações desenvolvidas pelos diferentes atores da cooperação portuguesa nos países parceiros.
A dimensão do impacto da pandemia na sociedade e nas economias vai exigir a implementação de planos de recuperação de dimensão inédita. Estes esforços devem, na perspetiva da Plataforma Portuguesas das ONGD, ter como objetivo último uma recuperação justa e sustentável e, por isso, é essencial que as ações de recuperação contribuam para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Do ponto de vista da cooperação portuguesa, isto implica apostar mais em ações que tenham em conta a situação de emergência climática que o planeta enfrenta e não contribuam para o agravamento da degradação ambiental, que promovam a igualdade de género e que contribuam para o fortalecimento dos serviços públicos de proteção social. Considerando a dimensão da desestabilização provocada pela pandemia, é essencial atentar à necessidade de garantir a segurança alimentar das populações em situação de maior vulnerabilidade.
Os múltiplos exemplos em que as medidas de exceção aprovadas por vários governos foram utilizadas como justificação para restringir os direitos das pessoas tornaram claro que esta crise poderá aprofundar a erosão dos valores democráticos e dos direitos humanos em vários pontos do globo. Tendo em conta a importância da Sociedade Civil no auxílio às populações e nos esforços de construção de um mundo mais justo e sustentável, é fundamental que as medidas implementadas para a recuperação pós-pandemia respeitem o espaço de intervenção cívica. Por tudo isto, é importante que a cooperação portuguesa reforce a participação da Sociedade Civil portuguesa e dos países parceiros em todas as fases dos processos de definição, implementação, monitorização e avaliação das políticas públicas.
Num mundo marcado pelo aumento das desigualdades e afetado por uma pandemia de proporções globais, este deve ser um momento de afirmação da solidariedade como um valor universal. Na perspetiva da Plataforma Portuguesa das ONGD, a qualidade da resposta de Portugal passa pela capacidade de o Orçamento Suplementar se afirmar como um instrumento capaz de canalizar os recursos necessários para que ninguém fique para trás.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico