A Academia do Porto está a combater a covid-19 com impressoras 3D (e não só)

Iniciativa em rede juntou a Universidade e o Instituto Politécnico do Porto a centros de investigação para produzir viseiras em impressoras 3D, com a maior parte a ser feita a partir das casas de voluntários. Outros projectos também apoiam a capacidade de testes ao vírus e desenvolvimento de novas soluções.

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Consórcio produziu dois mil suportes para viseiras na primeira semana Nelson Garrido

No Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (Inegi), as impressoras 3D trabalham desde 29 de Março para produzir dois modelos de suportes para viseiras, a serem distribuídas pelos hospitais centrais no combate ao novo coronavírus e pela Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte às várias unidades de saúde da região.

A iniciativa junta a Universidade do Porto (UP), o Instituto Politécnico do Porto (IPP), o Inegi, o Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica e o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inest Tec) na procura de soluções para ajudar no combate à pandemia, e surgiu de um desafio colocado pelos profissionais de saúde do Hospital de Santo António e da ARS Norte.

Não há por estes dias muita actividade nos laboratórios do Inegi para além do labor das impressoras 3D que passam várias horas por dia a fabricar dois, três ou até seis suportes de viseiras em simultâneo. Junto a uma bancada com vários arcos já terminados, Pedro Camanho, professor catedrático na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e vice-presidente do Inegi, conta ao P3 que há “cerca de dez” impressoras espalhadas pelo edifício, mas que a produção se estende bem para além dos limites do instituto.

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Pedro Camanho explica a diferença entre os dois modelos que estão a ser produzidos. O suporte à esquerda, desenvolvido em conjunto com a ARS Norte, inclui uma peça que permite a colocação de protecção na parte superior da cabeça Nelson Garrido

Ao todo, há cerca de 90 voluntários envolvidos no projecto, uma armada de mais de 100 impressoras 3D, que se dividem entre casas de estudantes de engenharia, de trabalhadores ou de empresas ligadas ao centro. Uma “extraordinária” resposta ao apelo feito à comunidade académica que se materializou na distribuição de seis mil viseiras na primeira semana de produção.

Um dos dois modelos de suportes foi desenhado pelo consórcio em conjunto com profissionais do Hospital de Santo António, enquanto o outro foi desenvolvido em colaboração com a ARS Norte. Ao demonstrar o encaixe do acetato neste segundo modelo, Pedro Camanho aponta para a característica que distingue os dois suportes: uma pequena peça rectangular que também permite a colocação de protecção na parte superior da cabeça, consoante a utilização pretendida. Este segundo modelo deverá ser distribuído maioritariamente pelos centros de saúde da ARS Norte.

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Pedro Camanho mostra uma viseira já montada com um dos mais de 34 mil acetatos recolhidos para apoiar os hospitais Nelson Garrido

Para as viseiras ficarem completas, o vice-reitor da UP, Pedro Rodrigues, responsável pela coordenação do apoio da universidade ao combate da pandemia, conseguiu recolher cerca de 30 mil acetatos “esquecidos pelas faculdades”, uma acção também acompanhada pelo ISEP. O consórcio já conseguiu entregar três mil suportes na primeira semana de produção, “uma boa parte à ARS Norte” e os restantes a cinco hospitais: São João, Santo António e IPO, no Porto, Eduardo Santos Silva, em Gaia, e também Pedro Hispano, em Matosinhos. Tudo graças a uma mobilização “fantástica das comunidades da UP, do IPP e dos outros associados”, realça o vice-reitor.

João Paupério trabalha no Inegi desde Outubro, depois de lá ter estagiado durante o curso na FEUP que concluiu em Julho. Quando teve conhecimento da iniciativa, disponibilizou a sua impressora 3D para ajudar à produção. É na cave de casa, a divisão ideal para manter a impressora num “ambiente mais controlado, sem correntes de ar”,​ que tem produzido cerca de dez suportes por dia. Utiliza o código enviado pelo consórcio, que programa a impressora para fazer “duas viseiras a cada duas horas e 20 minutos”.

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Há cerca de 90 alunos e colaboradores a fabricar viseiras a partir de casa João Paupério

O próximo passo, diz o engenheiro mecânico, é optimizar toda a operação com um plano logístico que preveja a recolha dos suportes por parte da ARS. Enquanto tal não acontece, os voluntários têm levado o que produzem até à Reitoria da UP ou distribuído viseiras pelas unidades de saúde mais próximas. A matéria-prima necessária tem sido comprada pelos próprios voluntários, mas houve doações feitas ao consórcio, explica o vice-reitor ao P3: “Recebemos 130 quilos que já estão a ser distribuídos e utilizados e também já temos prometida mais uma doação de plástico.”

A entrada de um novo parceiro vai aumentar de forma considerável a capacidade de resposta: esta segunda-feira, a Oli, uma empresa de produção de autoclismos sediada em Aveiro, já entregou na Reitoria três mil suportes feitos por injecção de plástico, com recurso a moldes adaptados do design criado pelo consórcio. A empresa antecipa produzir até 120 suportes por hora – 20 mil exemplares por semana.

Face a esse desenvolvimento, João Paupério adianta que algumas equipas já estão empenhadas em “estudar novas possibilidades” de ajuda noutros campos do combate à pandemia. O engenheiro elogia o espírito de todos os envolvidos, tão motivados que chega a haver “mais vontade que recursos”. E deixa ainda uma palavra de apreço para a disponibilidade das faculdades, que providenciaram recursos e até, no caso da Faculdade de Letras e de Belas Artes, impressoras 3D para os voluntários levarem para casa. Sendo que todo o processo de produção se materializou em “pouco mais de uma semana”. Uma rapidez só possível graças a uma “articulação muito boa entre as instituições, os profissionais de saúde e todos os colaboradores”, realça Pedro Camanho.

A ajuda também chega às zaragatoas

Além do fabrico de materiais de protecção, a Universidade do Porto tem também prestado apoio às unidades hospitalares do Porto de outras formas, conta Pedro Rodrigues. Desde a semana passada que a Faculdade de Farmácia (FFUP) e o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), em colaboração com a Escola de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, começaram a preparar tubos de transporte de zaragatoas (“uma espécie de cotonete” para recolher amostras biológicas na garganta ou fossas nasais).

A UP já doou cerca de 10 mil destas zaragatoas, uma parte a hospitais e outra “aos militares para integrar a reserva nacional”, mas nem todas têm tubos de transporte, essenciais para preservar as amostras. Anabela Cordeiro da Silva, professora da FFUP que coordena a produção, explica ao P3 que há dois líquidos a serem desenvolvidos para permitir o transporte: um mais simples de “soro fisiológico”, para transporte dentro do hospital, e um mais complexo, que permite “fazer o transporte de hospitais mais distantes” para os centros de testes.

A operação implicou alguma improvisação, dada a falta de algum material para produzir o líquido que habitualmente é utilizado nos tubos de transporte. “Com base nos nossos conhecimentos, chegamos à conclusão de que poderíamos oferecer meios alternativos para transporte de zaragatoas”, conta a docente, explicando que o líquido mais complexo é o utilizado nos Estados Unidos, elaborado “segundo as directivas do Centers for Disease Control”.

Na primeira semana de acção, já foram preparados quase 8000 tubos de transporte para os Hospitais de São João e de Santo António. Vão continuar “enquanto houver material”. O grupo de docentes e técnicos laboratoriais está também a avaliar a preparação de um outro meio, utilizado no Hospital Ramon y Cajal, em Madrid, que além de preservar as amostras também inibe a actividade do vírus, facilitando o manuseamento de quem lida com as amostras.

A partir desta segunda-feira, o I3S também começou a realizar testes à covid-19, com uma capacidade para “cerca de 150 por dia”, anuncia Pedro Rodrigues. Ainda este mês, para reforçar o combate à pandemia, deve também entrar em acção o Pneuma, um “ventilador de campanha para pandemias”, desenvolvido pelo Inesc Tec com o apoio da FEUP. A luta será “longa”, mas, garante o vice-reitor, vai “continuar a mobilizar a comunidade” académica.

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