Sexo em tempos de coronavírus: como viver a intimidade sozinho e em casal?

O medo de uma doença da qual um preservativo não protege, o stress, o teletrabalho, os filhos em casa, o isolamento social. De que forma se vive a sexualidade em tempos de coronavírus.

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Toa Heftiba/Unsplash

Se as doenças sexualmente transmissíveis tinham no preservativo um aliado, o coronavírus SARS-CoV-2 atinge-nos a todos os níveis da intimidade física. Mas não só: também em termos psicológicos, a pandemia poderá perturbar a sexualidade. Ou, mesmo em teletrabalho e com filhos em casa, tornar o casal mais próximo.

“O sexo é onde desagua o rio de tantas coisas”, diz Maria (nome fictício), de 40 anos e casada há quase 18, que explica que “tocar e beijar em momentos não sexuais é fundamental; rir e conversar também”. Para Maria, à parte da pandemia, desde que voltou a fazer exercício físico, redescobriu o prazer: “A autoconfiança fortalece a auto-estima e esta faz a sua parte quando temos de nos sentir poderosas na nossa vulnerabilidade”. O único senão deste período são os filhos: “É muito mais difícil fintar adolescentes que bebés.”

A presença constante de filhos, quando os há, é relatada como um dos factores de inibição a uma vida sexual plena — mais do que a preocupação com os vários contextos produzidos pelo cenário actual. “O problema não é a quarentena! O problema são os miúdos, que dantes dormiam cedo e agora já não”, brinca Paula (nome fictício), de 42, casada há quase 19 anos.

A sexóloga e psicóloga Joana Almeida, da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, considera que a presença dos filhos pode ser constrangedora, mas, como acontece em muitas outras áreas, o equilíbrio pode ser atingido com uma rotina organizada e com tempos para as mais variadas tarefas. Além do mais, “para quem está em relações saudáveis e consentidas pode ser bom usar a intimidade para promover o bem-estar”.

No entanto, considera a sexóloga, a relação sexual nem sempre é a resposta para obter o relaxamento ambicionado: “Temos de criar novos modos de estar e criar estratégias pessoais” para lidar com a actual situação, considerando que há casais que estão a viver o momento presente apenas um com o outro, mas outros que estão ainda em teletrabalho, com as crianças no ensino à distância, com situações de quebra de rendimentos... E,  além disto tudo, o facto de os dois estarem o dia inteiro um com o outro pode ser revelador do facto de terem tempos de desejo diferentes. “A probabilidade de o desejo surgir sempre em simultâneo é baixa” — um possível obstáculo que não é intransponível: “o desejo também pode ser despertado”, lembra.

Dormindo com o medo

Manuel e José (nomes fictícios) vivem juntos há dez anos. Estão ambos em teletrabalho, mas nem a situação laboral é inédita nem têm miúdos a espreitarem pelas frestas das portas. Ainda assim, Manuel confessa que desde que estão fechados em casa ainda não houve disponibilidade mental para uma vivência sexual plena: “O stress, tudo em torno [desta doença]; não me sinto ainda com muita vontade para viver essa dimensão das nossas vidas.”

A cumprirem um restrito isolamento social há quase um mês, o fantasma do novo coronavírus não paira sobre o casal, mas há ainda exemplos em que o medo da contaminação se torna castrador. Foi o caso de Cristina, de 45 anos de idade e com 21 de casamento, que, nos primeiros tempos, tinha o marido a sair de casa para trabalhar.

No Fórum Público, desta sexta-feira, a presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e membro do Comité Consultivo da Associação Mundial de Saúde Sexual, Patrícia M. Pascoal, referiu que, para já, há “poucas orientações oficiais acerca dos comportamentos sexuais a evitar para prevenir a transmissão do SARS-CoV-2”. No entanto, avança a também sexóloga Joana Almeida, os cuidados com parceiros a residirem na mesma casa serão os mesmos a ter em todas as outras dinâmicas domésticas, nomeadamente na partilha da casa de banho.

Patrícia M. Pascoal partilhou ainda um trecho do documento elaborado pela Federação Latino Americana de Sexologia e Educação Sexual (FLASSES, na sigla original), que se foca mais nas relações pontuais do que nas estáveis, sublinhando que o parceiro sexual mais seguro será sempre o próprio e em segundo lugar “alguém com quem se mora”. No entanto, um dos pontos lembra para ter cuidado durante o sexo: “Beijar pode passar facilmente” o vírus.

O marido de Cristina, entretanto, passou para um regime de teletrabalho, mas então “começaram as turras”. “Ao medo de contágios, juntou-se estarmos chateados um com o outro”, desabafa, sem qualquer dramatismo: “Isto é tudo novo”, sublinha.

A psicóloga Joana Almeida assume que estas tensões possam ser normais, considerando haver várias interferências no estado de espírito de todos. No entanto, deixa a prescrição: “É tempo para usar a comunicação, a compreensão, a paciência, a tolerância”. No entanto, recusa o diagnóstico precoce de que esta crise resultará num aumento de divórcios, apontando o facto de esta ser também “uma oportunidade para o casal se reencontrar”. “Em psicologia sabe-se que um grupo — que, neste caso, será o casal — fica mais unido perante uma ameaça externa.” E sobre os casos em que a relação antes em risco sai fortalecida, lembra, não haverá estatística.

Sexo em quarentena

Se para alguém inserido num casal, estes tempos causam dúvidas, para pessoas que não tenham uma relação estável e que recorram, frequentemente, a encontros casuais, o sexo tornou-se uma impossibilidade — ou, caso mantenha os encontros, um comportamento de elevado risco.

“Nas doenças sexualmente transmissíveis temos o preservativo como uma espécie de escudo”, diz Joana Almeida. Mas, o contágio do coronavírus SARS-Cov-2 faz-se por um simples beijo ou carícia. E os parceiros ocasionais aumentam exponencialmente o risco de exposição.

O documento partilhado pela FLASSES defende que qualquer um “deve evitar contacto próximo — incluindo sexo — com alguém fora de sua casa”, acrescentando: “Se faz sexo com outras pessoas, tenha o menor número possível de parceiros e evite o sexo em grupo.”

Para Joana Almeida, quem tinha por hábito recorrer a estas relações poder-se-á sentir agora mais sozinho, podendo recorrer a várias estratégias para regular a vida sexual. A começar pela masturbação (“A masturbação não espalhará covid-19, especialmente se lavar as mãos — e quaisquer brinquedos sexuais — com água e sabão por pelo menos 20 segundos antes e depois”, escreve a FLASSES), mas também tirando proveito das tecnologias para se estimular.

O mais importante, refere, é ter em mente que “o ser humano adapta-se às situações mais incríveis”. “É preciso aprender a ouvirmo-nos; a ouvir o que o nosso corpo pede.”

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