Brasileiros desesperam no aeroporto de Lisboa: “Fomos abandonados”
Há dezenas de pessoas do lado de fora e dentro do aeroporto de Lisboa à espera de conseguir regressar a casa. São quase todos brasileiros e dizem-se abandonados. Depois de dias de incerteza e desnorte, muitos passageiros do cruzeiro vindo do Brasil que desembarcou em Cádiz esperavam esta tarde o embarque para São Paulo.
Há filas com pessoas demasiado próximas umas das outras à porta do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Não têm voos confirmados para o próprio dia e a entrada está condicionada, só pode entrar um número restrito de pessoas de cada vez para se dirigir aos balcões de atendimento das companhias aéreas. Mas para isso era preciso que os balcões estivessem abertos. Não estão.
O aeroporto de Lisboa, o tal onde já não cabia um alfinete, é agora um lugar estranhamente vazio. Só estão abertos alguns cafés e pastelarias, meia dúzia de balcões de check-in e pouco mais. Os voos chegam e saem a conta-gotas, na maioria de e para destinos europeus, e os passageiros fluem à distância de segurança uns dos outros. Os lobbies e corredores estão vazios e talvez por isso se veja melhor que há por ali muitos pequenos grupos de pessoas com máscara na cara e muitas malas, a vaguearem numa espera sem fim.
Parte deles eram passageiros do MS Sovereign, o navio de cruzeiro vindo do Recife que tinha como destino o Porto de Lisboa, mas, no domingo passado, foi desviado para Cádiz. Vieram por terra para a capital portuguesa, onde tinham os seus alojamentos marcados para uma semana e conseguiram voo para este domingo à noite. Muitos outros são meros turistas avulsos, alguns de companhias que entretanto “desapareceram” sem deixar rasto nem alternativa.
“Fomos abandonados”, dizem Jorge, Sónia, Rosa, Ijacira e Helder, sentados nos carrinhos de bagagens num canto do aeroporto onde já passaram três noites. Ali se conheceram, todos clientes da mesma companhia, a Air Europa, que entretanto já nem balcão tem no Aeroporto Humberto Delgado. “Até a placa da companhia tiraram dali! Não atendem telefone, não respondem a e-mails. A única mensagem que recebemos foi um e-mail a pedir desculpas e a dizer que só haverá voo a 30 de Abril!”, contam ao PÚBLICO.
Conheceram-se no aeroporto, fruto da mesma incerteza. A maior parte estava em Portugal em turismo, mas Jorge trabalhava cá. “Fiquei desempregado, enviei todo o dinheiro para a minha família no Brasil e tinha comprado esta viagem há três meses. Tenho sete euros na conta”, lamenta.
Rosa estava de férias com Sónia em Portugal há 20 dias. Quando souberam que o voo tinha sido cancelado, foram ao Consulado do Brasil no Porto: “Estava fechado, não atendem o telefone. Ficámos sem ter com quem falar: nem embaixada, nem consulado, nem companhia aérea. Ninguém”. Estão no aeroporto há três dias, não saem dali porque sabem que depois não voltam a conseguir entrar. Helder Oliveira bebe uma bebida de uma palhinha por baixo da máscara e repete: “Fomos abandonados”.
Lucimar, Karine e Marta vieram visitar um familiar por um mês. Tinham passagem para o dia 30, mas conseguiram antecipar para este domingo. Ou achavam que tinham conseguido. Encontramo-las a empurrar as malas para o balcão do check-in às 14h, a garantir que tinham confirmado o voo Paris-São Paulo-Vitória. Três horas depois, estavam a sair do aeroporto: “Foi cancelado. Agora só amanhã, via Amesterdão”.
Recurso a tribunal rendeu voo
Outra sorte tiveram alguns dos passageiros do cruzeiro MS Sovereign, ou “navio Soberano”, como lhe chamam. Encontramos três grupos, todos com check-in feito para os voos deste domingo à noite para o Rio de Janeiro e São Paulo. Alguns conseguiram-no à força.
“Nós recorremos ao tribunal, entrámos com uma ‘liminar’ [providência cautelar] na justiça brasileira e o juiz imediatamente ordenou à TAP no Brasil para fazer o nosso embarque imediato”, conta Sílvio Amorim. É um dos advogados e administradores de empresas do grupo de oito pessoas que conta a história: “Começou logo com o encerramento do Porto de Lisboa, o que nos obrigou a desembarcar em Cádiz, graças ao Governo de Espanha, que nos abriu as portas, senão ficávamos a navegar sem destino”.
À chegada a Cádiz, os 1800 passageiros foram metidos pela agência de viagens em mais de 50 autocarros com destino a Lisboa, onde tinham os alojamentos reservados para uma semana: “Todos os ‘ónibus’ vieram ‘desovar’ no aeroporto de Lisboa”. No primeiro dia, o grupo de Sílvio Amorim ainda foi até Óbidos, mas a partir de terça-feira todos ficaram fechados no hotel e começaram a tentar remarcar os voos de regresso. Mas os preços eram “exorbitantes”.
Quando perceberam que o seu voo, previsto para sábado, tinha sido cancelado, deixaram de conseguir falar com a transportadora aérea nacional: “A TAP não atendia nem se conseguia entrar no sistema”, conta. Foi aí que recorreram à justiça brasileira e desataram o nó.
Outros passageiros do MS Sovereign não fizeram mais do que esperar uns dias para conseguir voo, depois de cancelado o inicialmente previsto. Para Andreia e Edivaldo, era a viagem das suas vidas, mas tornaram-se “as piores férias de sempre” e a “um preço exorbitante”, tanto que nem são capazes de dizer: “Está muita coisa no cartão de crédito. Desde que saímos do Brasil até hoje o real já se desvalorizou muito. Nem sabemos quanto já gastámos...”
O pequeno apartamento que tinham alugado por uma noite em Lisboa teve de ser multiplicado por quatro dias e seis pessoas, mais dois casais que tinham conhecido no cruzeiro: “Foram postos fora de hotéis e não tinham para onde ir. Tiveram de dormir no sofá e no chão”. Sorriem para a fotografia e depois comentam que há vários dias que não sorriam.
Luís Fernando, Adriana e Elias também vinham no MS Sovereign e, como os outros, foram apanhados sem rede a meio das férias. Quiseram regressar ao Brasil mais cedo, mas “pediam mil euros por cada um”. Desistiram e esperaram. Fecharam-se no hotel durante uma semana: “Foi a pior parte, uma cidade tão linda lá fora e nós sem podermos sair”. Prometem voltar um dia...
Passageiros do Fantasia serão repatriados
Situação completamente diferente vai ser a dos passageiros do MS Fantasia, o navio de cruzeiro que acostou este domingo de manhã no Porto de Lisboa. Os mais de 1330 passageiros vão ser repatriados na próxima semana para os países de origem, numa operação conjunta da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e da Direcção-Geral da Saúde, entre outras entidades.
O navio de cruzeiro MS Fantasia transportava 1338 passageiros provenientes do Brasil, incluindo 27 portugueses. Estes puderam desembarcar e, como não havia suspeita de infecção, regressaram a casa, onde irão ficar em quarentena. A partir de terça-feira, desembarcarão os restantes passageiros do navio, de 38 nacionalidades, mas apenas para serem escoltados até ao Aeroporto Humberto Delgado e voarem de regresso aos seus países de origem.
A empresa responsável pelo cruzeiro, a MSC Cruises, irá fretar charters para os diferentes países de origem “e será criado um corredor entre o porto e o aeroporto de Lisboa durante os próximos dias, para que os passageiros sejam evacuados por avião”, anunciou o Porto de Lisboa em comunicado.
“Apenas mediante a disponibilidade dos voos os passageiros irão sair do navio com destino ao aeroporto de Lisboa, enquanto os restantes passageiros permanecerão sempre a bordo”, lê-se na nota. Durante esse período, o navio permanecerá atracado no Porto de Lisboa e a tripulação — mais de 1200 pessoas de 50 nacionalidades — permanecerá a bordo sem autorização para sair.