O Porto gritou pelo fim dos despejos. Rui Moreira respondeu e disse que lei foi cumprida
Depois de uma moradora ser “despejada” da habitação municipal onde vivia, na Ribeira do Porto, amigos e familiares protestaram nas traseiras da câmara municipal. Rui Moreira lembra que a lei foi cumprida “escrupulosamente” e recorda que “não há direitos hereditários na habitação social”.
Pelas 21h, na Ribeira do Porto, a pequena multidão caminhava de forma tímida, mas um par de passos na Praça do Infante D. Henrique bastou para que as palavras de encorajamento começassem a ganhar força. No banco de trás do carro que os manifestantes alegremente rodeavam, surgia, entre lágrimas e agradecimentos pelo apoio, Joana Pacheco, mulher de 39 anos que foi “despejada” da habitação municipal na qual vivia com os dois filhos menores, na Rua da Fonte Taurina. No largo das traseiras da Câmara do Porto, onde, esta segunda-feira, o tema do alojamento foi uma constante na reunião da Assembleia Municipal, cerca de 100 pessoas gritaram pelo fim dos despejos.
O caso diz respeito ao dia 28 de Fevereiro. Joana Pacheco, recepcionista de um hotel, foi chamada para uma reunião na Domus Social quando os bens foram retirados da casa. Os protestos, tanto de vizinhos como de familiares, não demoraram a surgir – mas a câmara adianta que a situação correspondeu a uma “desocupação coerciva por ocupação indevida”. Isto porque, explica ao PÚBLICO o órgão executivo, a mulher não era titular dessa habitação municipal. Em 2017, após a morte da mãe, Joana mudou-se com os filhos para a Rua da Fonte Taurina. Precisava de cuidar do pai, na altura com 89 anos, e para isso, clarificou ao Jornal de Notícias, pediu a “reintegração no agregado” familiar. Pedido que terá sido sucessivamente rejeitado.
Joana Pacheco recorreu ao Facebook para partilhar cópias dos documentos enviados à câmara municipal, que comprovam essa mesma vontade de voltar a fazer parte do núcleo. Mas, na reunião da Assembleia desta segunda-feira, Rui Moreira lembrou que a lei é “clara” nestas situações, sublinhando que “não há direitos hereditários na habitação social”. “Podemos concordar com os regulamentos ou discordar dos mesmos, mas não podemos subitamente invocar que o presidente da câmara tem ‘coração duro’, porque isso é o princípio da demagogia”, continuou o autarca. “Somos todos iguais perante a lei. E a lei não permite avaliações caso-a-caso. Pensar que alguém foi malvado porque não abriu uma excepção não pode ser.”
Enquanto, no salão nobre, eram explicados estes contornos legais, era possível ouvir os gritos que enchiam a Praça da Trindade. Entre cânticos de “Mais habitação, menos especulação”, “O Porto não se vende” ou “A Ribeira é nossa”, familiares e amigos de Joana Pacheco tentavam romper o cordão policial formado à sua volta e não escondiam a insatisfação. “Não queremos mais hotéis”, “Quem aceita o mal sem protestar coopera com ele” ou “Hoje pela Joana, amanhã por um de nós” eram algumas das frases exibidas nos cartazes. “O problema é que ela mora numa zona turística. Ali só interessa dinheiro. Dizem que uma pessoa precisa de estar numa reunião só para ela não ser capaz de se defender quando lhe entram pela casa adentro? Isto tem algum jeito?”, questionou ao PÚBLICO Fernando Pacheco, irmão de Joana, 14 anos mais velho.
O presidente da câmara garantiu que “não houve nenhuma manipulação” no que diz respeito à marcação da reunião com a Domus Social para a qual Joana Pacheco foi chamada. Argumentou que a “desocupação deveria ter ocorrido na quinta-feira”, justificando que esta terá passado para o dia seguinte “por uma questão de conveniência da Polícia Municipal”. Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, acredita que “algo de muito errado se passa no Porto” e salientou a necessidade de “se garantirem soluções de realojamento” em casos desta natureza, ao passo que Pedro Braga Carvalho, do Partido Socialista, acusou Rui Moreira de não ter “uma estratégia política para fazer frente à crise de habitação que se vive” na cidade. O independente esclareceu que “não há quem fique insensível a situações desta ordem”, “principalmente quando envolvem crianças”, mas, ao mesmo tempo, destacou a necessidade do “cumprimento escrupuloso das regras”. “No dia em que o presidente tomar decisões com base na emoção, corre o risco de ser injusto na distribuição daquilo que é público.” Isto, lembrou, equivaleria a “um crime de abuso de poder e prevaricação”.
O autarca também respondeu aos que o acusaram de “agir de má-fé”. Depois de pedir ao Bloco de Esquerda que pensasse “nas mil famílias que legalmente aguardam por habitações como aquela”, concluiu que “para alguém se transformar titular de uma habitação municipal, precisa de se candidatar, ver a candidatura aprovada e esperar. Tudo o resto é ir contra a lei. Não contem comigo para tal.”
Bruno Medeiros, amigo de Joana Pacheco e um dos presentes nos protestos, recordou que a manifestação, organizada em parte por “pessoas que passaram pelo mesmo e não tiveram ajuda”, não se esgota apenas no caso ocorrido na Rua da Fonte Taurina. “É por todos os que estão a ser desalojados para encherem a Ribeira de hostels.” Fernando Pacheco lamentou a “falta de vergonha” e compreensão por parte da Câmara Municipal do Porto, acusando-a de “não querer saber” das pessoas depois de lhes “tirar o tecto”. “Mandam-te para debaixo de um barraco. Ou para lado nenhum.”