Governo está a reunir dificuldades dos autarcas acerca da descentralização

Ministra da Modernização do Estado está a compilar as críticas, ministra da Coesão admite que seja preciso mais tempo para discutir com os autarcas. Presidente da Câmara de Gaia critica a lógica partidária do processo e não poupa Eduardo Cabrita.

Alexandra Leitão
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Eduardo Vítor Rodrigues Joana Goncalves
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Ana Abrunhosa Nelson Garrido

O Governo está a ouvir os autarcas sobre o processo de descentralização até ao final de Janeiro, após o que espera verter num relatório as suas principais dificuldades e preocupações, disse fonte do ministério que tutela as autarquias.

A mesma fonte do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública respondia a uma questão da agência Lusa acerca de uma proposta do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que no domingo instou autarcas a pedirem ao Governo a suspensão da obrigatoriedade prevista na lei para a transferência de competências a partir de 2021. Rui Moreira, que participava na conferência “Os Caminhos da Descentralização”, promovida no Porto pelo Jornal de Notícias, defendeu a retoma do “processo negocial” com os municípios, por considerar que “este calendário é impossível”.

Em resposta à Lusa, o ministério salientou que a ministra Alexandra Leitão e o secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local iniciaram na semana passada no Alentejo um Roteiro para a Descentralização, “para ouvir dos autarcas as suas dificuldades e preocupações específicas, com o compromisso de encontrar as soluções que melhor respondam aos desafios específicos de cada território”.

Estas reuniões com os autarcas das restantes Comunidades Intermunicipais (CIM) prosseguem nesta terça-feira com a CIM da Região de Coimbra e decorrerão até ao final de Janeiro, estando previstos para Fevereiro encontros com as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

“Nessa altura, ouvidas as 21 CIM e as duas Áreas Metropolitanas, o Governo terá uma visão abrangente do processo de descentralização de competências como um todo, mas também informação de pormenor de cada autarquia. Essa informação será vertida num relatório, permitindo extrair conclusões fundamentadas e participadas”, acrescentou.

O repto de Rui Moreira foi lançado perante vários autarcas, nomeadamente os presidentes das câmaras de Matosinhos, Oeiras, Loures, Famalicão, Évora, Setúbal, Caminha e Vila Nova de Gaia, entre outros, e foi recebida com aplausos. “Todos os autarcas estiveram de acordo: este calendário é impossível. Por isso, atrevo-me a propor que saiamos daqui com uma declaração muito simples, dizendo que os autarcas aqui reunidos instam o Governo a suspender de imediato a aplicação da lei quanto à obrigatoriedade da transferência de competências a partir de 2021, tendo em vista retomar o processo negocial com os autarcas”, afirmou Rui Moreira.

"O que eu sofri"

Na mesma conferência, o autarca de Gaia, o socialista Eduardo Vítor Rodrigues, afirmou que hoje, a recusa deste modelo descentralização é “quase unânime”, depois de uma fase em que muitos autarcas, alegou, aceitaram novas competências nos termos propostos pelo Governo por uma questão de “solidariedade partidária" - solidariedade, diz, que “tantas vezes” foi acusado de não ter. “Sou membro do secretariado nacional do Partido Socialista e só Deus sabe - ou melhor, só eu sei e só o meu telefone sabe - o que eu sofri por ter assumido o combate que hoje parece quase unânime (...) ao modelo de descentralização organizado e feito por um ministro, do meu ponto de vista, absolutamente incapaz de perceber a realidade”, disse o autarca de Gaia. Eduardo Vítor Rodrigues acusou Eduardo Cabrita de se ter “ancorado numa relação puramente instrumental” com a Associação Nacional de Municípios, onde há autarcas que “recusaram nos seus concelhos aquilo que [no último congresso da ANMP] estavam a vender aos seus associados”.

A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública foi então elogiada por Eduardo Vítor Rodrigues, que disse ver nela “uma capacidade de percepção e de diálogo absolutamente extraordinárias, ao contrário do que acontecia com Eduardo Cabrita”. E considerou que não era fácil, politicamente, pedir-lhe para fazer o “papel de Calimero”, para ser ela a assumir que não sabia “se era possível fazer” o que outro ministro "engendrou”.

Ministra da Coesão sugere mais tempo

Nesta segunda-feira, foi a vez da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, admitir que pode ser “necessário mais tempo para discutir” a descentralização com os autarcas. Confrontada pelos jornalistas, à margem de uma visita a Vila Nova de Poiares, com as palavras de Rui Moreira, a ministra da Coesão Territorial afirmou que os autarcas “não recusam a descentralização”, “precisam é de mais tempo para discutir com o Governo e estudar a forma como vai ser feita”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda também se pronunciou nesta segunda-feira sobre o apelo de Rui Moreira para a suspensão da obrigatoriedade prevista na lei para a transferência de competências a partir de 2021. Catarina Martins pede a paragem do processo. "O Bloco de Esquerda acha que o processo de descentralização deve parar, ponto. Não achamos que deve ser adiado. Achamos é que está errado”, disse Catarina Martins, argumentando que “está errado” que o Governo passe “a batata quente para as autarquias sem o investimento necessário”.