Os chumbos dividem o país, o salário mínimo não
O que importa discutir é o que fazer para acabar com essa chaga que leva a escola e os professores a desistirem de lutar pelos alunos com mais problemas sem cair na tentação de iludir esse drama através das passagens administrativas.
Percebe-se tão bem a razão pela qual o Governo escolheu o tema do salário mínimo e o desejo de um acordo global de rendimentos para o primeiro debate quinzenal da legislatura, como se entendem os motivos que levaram a oposição à direita a mudar de tema para o fim dos chumbos de alunos até ao 9.º ano de escolaridade. Sobre o salário mínimo estabeleceu-se um consenso que, na prática, só é quebrado pela exigência de um ritmo maior de crescimento por parte da esquerda, o que permitiria ao Governo transformar este debate num passeio de fim de tarde. Já os chumbos remetem a discussão para uma esfera que divide por completo a sociedade portuguesa, a esquerda e a direita e o próprio sistema educativo.
Neste debate quinzenal, porém, se as dúvidas do CDS foram colocadas com pertinência e coerência, as reticências do PSD redundaram numa armadilha desconfortável para Rui Rio. O líder do PSD foi igual a si próprio ao expor o problema dos chumbos de forma crua e numa linguagem compreensível. Mas não escapou à contaminação do arcaísmo e do preconceito numa matéria que, como lhe recordou António Costa, exige informação e experiência. “Um aluno chega ao fim do ano e não sabe. Passa ou não passa?”, perguntou Rui Rio. É bom que a escola não volte a cair no enlevo negligente do eduquês que descura a aprendizagem e o conhecimento e transforma a escola num laboratório de “experiências” e de “competências” em que não cabem o domínio da língua ou da matemática; mas a educação tem de ir muito para lá desse fetiche.
Insistir na velha e gasta questão do “sabe ou não sabe” para justificar os chumbos e os quadros de honra remete o problema para as discussões do passado. Melhor seria Rui Rio ouvir o seu vice-presidente David Justino, que quando presidia ao Conselho Nacional de Educação afirmava que “a escola está a destruir capital humano com os chumbos”. O que importa agora discutir é o que fazer para acabar com essa chaga que leva a escola e os professores a desistirem de lutar pelos alunos com mais problemas sem ter de cair na tentação de iludir esse drama através das passagens administrativas – como, de resto, Luís Aguiar-Conraria explicava muito bem na edição do PÚBLICO desta terça-feira. Entre a brutal inutilidade dos chumbos e a criação de uma cultura de exigência que não deixe ficar ninguém para trás tem de haver uma solução.