Três quartos dos portugueses usam telemóvel enquanto conduzem
Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa defende que risco de falar em sistema de mãos livres, apesar de ser legal, é quase igual ao de ter telemóvel na mão durante a condução.
Os portugueses estão entre os condutores que mais utilizam o telemóvel enquanto conduzem, revela um estudo efectuado em cinco países europeus e nos EUA e que esta quarta-feira foi apresentado em Lisboa. Dos mil portugueses inquiridos neste estudo, quase três quartos (74%) admitiram usar o telemóvel ao volante e apenas 13% garantiram que o colocam fora do seu alcance durante as viagens de automóvel. O impacto deste problema nos acidentes rodoviários não é estudado pelas autoridades nem conhecido em Portugal.
Os dados são extraídos do estudo Global Driving Safety Survey, levado a cabo pela Liberty Mutual em seis países onde esta seguradora está presente – Portugal, Espanha, França, Irlanda, Reino Unido e EUA –, e foram apresentados em Lisboa pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) e a Liberty Seguros.
Este estudo, que inclui respostas de 5004 europeus (1000 portugueses, 1006 espanhóis, 1006 franceses, 992 irlandeses e 1000 britânicos), além de 3006 norte-americanos, permitiu perceber que os portugueses estão, neste universo, entre os condutores que mais utilizam o telemóvel ao volante (74%), seguidos pelos irlandeses e os norte-americanos (67%), pelos franceses (58%), espanhóis (55%) e britânicos (47%).
Quanto às formas de utilização do telemóvel, a maior parte (69%) dos portugueses inquiridos admitem olhar para mensagens e chamadas que estão a receber, mais de metade olham para as notificações, um quarto lê e-mails e mensagens, e mais um quarto faz e envia mensagens de áudio. Um quinto admite mesmo utilizar apps, enquanto 19% enviam e-mails e mensagens e 18% utilizam apps de redes sociais.
O perigo do sistema mãos-livres
São dados que não surpreendem o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, até porque não diferem substancialmente dos resultados do E-Survey of Road Users’ Safety Attitudes (ESRA), um estudo com um universo muito mais alargado (foram inquiridas 35.036 pessoas, das quais 998 portuguesas).
Neste estudo do consórcio internacional do qual a PRP faz parte e que inclui 32 países, a utilização do telemóvel pelos condutores portugueses é claramente superior à média dos países da União Europeia. Quando questionados se usaram o telemóvel durante a condução nos últimos 30 dias, cerca de um terço (37,4%) dos inquiridos portugueses admitiram que sim (28,6% na média dos países da UE) e 65,7% realizaram chamadas com sistema mãos livres (47,7% na UE).
“Temos uma taxa de respostas positivas muitíssimo elevada. Portugal fica em primeiro lugar, nos países da União Europeia, na percentagem de condutores que usam o telemóvel em alta voz ou para consultar as redes sociais e em sétimo lugar no uso do telemóvel na mão”, especificou ao PÚBLICO José Manuel Trigoso, notando que estes são ainda dados preliminares.
Apesar de terem consciência dos riscos associados à utilização do telemóvel durante a condução, 43% dos inquiridos portugueses consideram aceitável falar ao telemóvel recorrendo aos sistemas de alta voz (33,8% na UE), enquanto apenas 1,6% considera aceitável falar com o telemóvel na mão (3,5% na UE).
A utilização de sistemas mãos-livres, que é legal na maior parte dos países, apresenta um “risco quase igual” ao de falar com o telemóvel na mão, segundo o presidente da PRP. "O grande problema não é a ocupação da mão, é a ocupação da cabeça, a distracção cognitiva que causa”, defende José Miguel Trigoso, para quem duplicar o valor das multas quando se é apanhado com o telemóvel na mão, como recentemente foi anunciado, está longe de ser suficiente para resolver este problema.
Mas fumar ou falar com os ocupantes da viatura não constituem igualmente distracções? “Não tem comparação. A questão menos importante, apesar de agravar o problema, não é a mão. No caso do telemóvel [mesmo quando usado em alta voz], o primeiro problema é o da atenção e o segundo, o do olhar. Em vez de reagir em um segundo, reajo em dois e isso significa que, em vez de travar 20 metros depois de ter observado um obstáculo, só vou travar 40 ou 50 metros depois”, exemplifica.
O ideal, preconiza, era não ser possível falar ao telemóvel mesmo com sistema de mãos livres, mas, não sendo isto exequível de imediato, o caminho deve fazer-se tentando que a indústria automóvel e os responsáveis da segurança rodoviária cheguem a um entendimento, uma vez que os carros mais recentes vêm equipados com estas novas tecnologias que facilitam a distracção do condutor.
Garantindo que a amostra do estudo da seguradora agora apresentado é “representativo”, Maria Luís Rodrigues, da Liberty Seguros, explica que não há dados fiáveis sobre o número de acidentes de viação provocados pela utilização do telemóvel durante a condução em Portugal, e reconhece que muitos acidentes participados às seguradoras acabam por surgir associados a outras causas, apesar de terem sido provocados pelo uso do telemóvel ao volante.
Enfatizou também que as seguradoras não têm forma de apurar se o acidente foi causado pela utilização do telemóvel na condução, a não ser que “as pessoas declaradamente assumam que iam a falar ao telemóvel”. A agravar, “os carros já vêm todos equipados com mil e um gadgets, o que faz com que os condutores tenham fontes de distracção, até porque passam muito tempo no trânsito”, acrescenta. E não há como controlar este fenómeno, a não ser que se coloquem câmaras nos carros ou drones no trânsito, mas isso levanta problemas de invasão de privacidade, diz ainda.
A prevenção e a sensibilização da população para o problema é o melhor caminho a seguir, defende, adiantando que a seguradora e a PRP vão lançar até ao final do ano uma campanha até ao final do ano.
Uma coisa que alguns países estão a fazer, em caso de acidentes com feridos graves, é avançar para um pedido judicial que permita às operadoras de telecomunicações disponibilizarem os extractos das conversas do condutor à hora do acidente, adiantou José Miguel Trigoso.