DemoFuturo: quem Greta Thunberg representa?
A representação política de Greta Thunberg tem razões profundas em valores democráticos, nos fazendo notar que ainda podemos expandir as fronteiras da participação cidadã.
Desde a manhã do dia 20 de agosto de 2018, uma garota de 16 anos, carregando um cartaz em que se lia skolstrejk för klimatet! (greve escolar pelo clima, em sueco), levantou-se com o propósito de representar o nosso demofuturo. Greta Thunberg, passou a ser a representante de milhares de jovens que se mobilizam em greves pelo mundo, mas não só, tornou-se a representante do clima, daqueles que ainda não votam e daqueles que futuramente irão viver neste Planeta. A jovem ativista reflete uma preocupação com os direitos das pessoas futuras gozarem dos recursos naturais com qualidade e quantidade suficientes. Assim, os jovens que atualmente se manifestam, além de organizações da sociedade civil, se sentem representados por figuras como Greta Thunberg. Mas, como pode alguém representar o futuro?
Sabe-se que a centralidade do mecanismo eleitoral e da participação via mecanismo oferecido pelos partidos está variando para modalidades de participação extraeleitoral, somando-se as grandes mudanças na representação de interesses através dos movimentos sociais nas últimas décadas. Cresceu a importância de alguns assuntos que antigamente eram canalizados para política institucional, secundarizados embora, tais como o clima, a habitação nas cidades, os direitos de minorias sociais, entre elas os indígenas, os grupos LGBTI+ em todo o mundo. Acrescenta-se também a desconfiança face às instituições políticas, os crescentes sentimentos antipartido e o aumento da insatisfação com o funcionamento das democracias, já para não falar da chamada “espiral do cinismo político”.
Assim, em pouco mais de um ano, um protesto solitário daria lugar a uma marcha histórica pelo clima - o #schoolstrike4climate, movimento que já levou às ruas mais de 4 milhões de estudantes de mais de 100 países e teve seu auge com a Greve Geral Internacional pelo Clima, no último 27 de setembro. Greta Thunberg não está sozinha em seu ativismo climático, provando que ela não é uma voz solitária, mas a mensageira de um movimento crescente. Além de Greta, há um movimento climático juvenil maciço e crescente em muitos países do mundo. O ano passado viu uma onda de ativismo climático, impulsionada em grande parte por jovens ativistas. Desde então, segundo o Jornal Truthout, houve cerca de 3500 dessas ações de greve em todo o mundo, envolvendo grupos como Sunrise Movement, ativistas do Green New Deal, Earth Strike, 350.org e Greenpeace. Esse movimento sumariza uma poderosa indagação: Que tipo de impacto teremos, nós os cidadãos, sobre o clima?
É por esta razão que os recentes protestos estão dirigidos aos governos e organismos multilaterais céticos do clima, eles apontam contra a inação política pela crise climática, alertam sobre o aquecimento do planeta e seus riscos para as gerações futuras, denunciam o lobby das indústrias de combustíveis fósseis, alertam sobre a transferência de custos e danos para as gerações futuras e exigem que sejam tomadas medidas para atender às recomendações cautelosas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Acordo de Paris para o clima.
Embora sua pressão não possa produzir resultados políticos imediatos, está demonstrando o poder do crescente ativismo social sobre a agenda do clima - um movimento que poderá ficar mais forte com o tempo. Em alguns países, como os EUA e Alemanha, as greves climáticas dos jovens estão trazendo uma urgência feroz ao debate político, o tema se tornou uma questão definidora em campanhas eleitorais, alterando completamente o debate. Esse movimento tem o potencial de exercer um poder político significativo no médio prazo. O secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) afirmou que os ativistas do clima são talvez a maior ameaça para a indústria do petróleo daqui para frente. A força da juventude está causando mudanças em posições que até agora pareciam monolíticas.
Greta Thunberg é o semblante de uma democracia em mutação, mas também é a caixa de ressonância da crise no núcleo duro do regime democrático representativo no Ocidente, uma espécie de onda préfigurativa de que estamos em uma fase de transição para algo diferente. O meu leitor saberia apontar qual o destino desta transição? O que pode vir a resultar desta representação política?
Com vista à opacidade das alternativas da oferta política dos partidos, Greta aparece como o elemento ausente na polarização ideológica e no mecanismo de representação política. Ela aparece como o resultado de uma baixa diferenciação, ou mesmo, ausência de contraste da oferta política no continuum do espectro ideológico. À vista disto, começamos a perceber uma possível convergência entre as preferências políticas de líderes de tipo Greta e os interesses que são cruciais para o nosso futuro. Não se trata de esforços de legisladores, mas de lideranças políticas que movimentam a sociedade. Um tipo de representação não eleitoral, porém efetiva, que oferece aos cidadãos soluções alternativas e futuros alternativos, fora do sistema de partidos. Inclusive sem competir pelo voto popular, mas interessado em influenciar as preferências dos eleitores e a agenda dos candidatos. Como não podem endereçar suas propostas às soluções de governos, eles procuram influenciar as preferências, e assim, configurar novos problemas públicos e forçar a mudança de agenda.
Não é de causar surpresa o protagonismo de Greta? Não nos faz refletir e nos pôr em relação de proximidade com as reivindicações da democracia ateniense ou da comuna de Paris, emblemas da democracia direta ou participativa? Não nos faz lembrar as brigadas da juventude que no pós-guerra se dirigiram para reconstruir a Iugoslávia ou a Marcha do Sal na Índia?
Está aí a conexão entre os jovens do mundo e Greta. Uma lufada de ar fresco nas democracias sufocadas. A representação política de Greta Thunberg tem razões profundas em valores democráticos, nos fazendo notar que ainda podemos expandir as fronteiras da participação cidadã, com capacidade suficiente para construir uma coalizão de preferências e interesses, ainda relativamente difusos, mas preocupados com perspetivas mais substantivas relativamente à vida humana associada e ao bem viver em sociedade. O impactante protesto de Greta sobre mudança climática é emblemático ao dizer: “As desculpas de vocês acabaram e a paciência dos jovens também”. Eis o mais novo emblema para as democracias de nosso tempo!