Em nome do planeta, na ModaLisboa apela-se à mudança na indústria da moda
Economia circular, transparência, fast fashion e impacto positivo foram alguns dos temas da Fast Talks, que teve lugar no Mercado de Santa Clara, em Lisboa.
Final de tarde de quinta-feira, à entrada do Mercado de Santa Clara, em Lisboa, aglomera-se um grupo de jovens. Vieram assistir às Fast Talks da ModaLisboa e esperam ansiosamente pela ordem de entrada para conseguir o melhor lugar. Dentro daquelas quatro paredes, durante a próxima hora e meia, vai discutir-se a moda e o seu impacto positivo.
Joana Barrios modera, pela segunda vez, o encontro. Bem-disposta, confessa que este ano ninguém se preparou antecipadamente. “Vamos todos conversar. Pedi para ninguém trazer uma apresentação”, explica a actriz e apresentadora. Do seu lado direito estão Carolina Alvarez-Ossorio, da Ecoalf, e Eva Geraldine Fontanelli, da Gooders. O painel fica ainda completo com o repetente Patrick Duffy, da Global Fashion Exchange, e Alfredo Orobio, fundador da Awaytomars.
Eduarda Abbondanza dá as boas-vindas e agradece ao Mercado de Santa Clara a cedência do espaço. Catarina Vaz-Pinto, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa com o pelouro da Cultura, felicita a organização pelo espaço deste ano. “É uma marca da ModaLisboa descobrir novos espaços pela cidade”, reforça a autarca. Salientou ainda a importância de se discutir o desenvolvimento sustentável da moda em Lisboa, que será a Capital Verde da Europa em 2020.
Economia circular, a possível solução
Com a frase “There is no Planet B” (Não há um planeta B) estampada na T-shirt, é Carolina Alvarez-Ossorio que abre a discussão. A espanhola da marca ecológica Ecoalf garante que “é preciso deixar de pensar a forma linear, mas sim de forma circular”. É essa a missão da Ecoalf, fundada em Madrid há dez anos. Com a ajuda voluntária de pescadores, retiram todo o tipo de lixo do fundo dos oceanos, e com ele criam vários tipos de peças, desde sapatos a mochilas, por exemplo.
Alfredo Orobio reconhece que “o segredo para a mudança na indústria está na educação”. O fundador da Awaytomars (colectivo de designers) esclarece ainda os termos de economia linear e circular: um sistema linear começa na produção, passa pelo uso e termina no lixo; já a economia circular não gera desperdício e a peça recebe uma nova vida, voltando novamente ao ponto de partida.
É Patrick Duffy, fundador da Global Fashion Exchange, quem revela o número megalómano, que deixa a plateia boquiaberta: todos os anos são produzidas 150 mil milhões de peças de roupa e apenas 20 a 30% chega ao guarda-roupa de alguém. “A preocupação pela sustentabilidade começa no design”, defende o inglês.
O consumidor interessa-se, no fundo, pela estética e pelo design. Eva Geraldine Fontanelli salienta a importância do “meaningful and beautiful” (belo com significado). É exactamente essa a sua missão na Goooders, uma plataforma que ajuda a lançar marcas sustentáveis, “mas também bonitas”.
Fast fashion, transparência e “Green washing”
A educação deve começar nas escolas de design e moda. “É preciso mudar a mentalidade das novas gerações, para que se relacionem com a causa”, defende Alfredo Orobio. Carolina Alvarez-Ossorio tem uma posição mais extremista: “Se não és parte da solução, és parte do problema.”
O culto pela fast fashion e a “felicidade da compra”, como baptiza Joana Barrios, nasceu com os millennials. “A nova geração farta-se depressa”, acrescenta Eva Geraldine Fontanelli. Como solução o painel propôs um sistema de trocas e revendas: comprar de boa qualidade e sustentável e, mais tarde, trocar com amigos ou revender, como alternativa ao desperdício.
Mais do que educar o consumidor, importa também mudar a mentalidade das grandes marcas, explica Patrick Duffy. A transparência dos grandes grupos de fast fashion é posta à prova. Numa manobra de marketing, revela o painel, criam pequenas colecções sustentáveis e publicitam-nas como sendo uma grande fracção do negócio. É o que se pode chamar green washing, num claro trocadilho com brain washing (lavagem cerebral).
A transparência passa também pela publicação da lista de fornecedores. Duffy revela, ainda, que na fast fashion se estima que 128 pessoas toquem na peça antes de chegar ao consumidor final. “Quanto mais simples for a lista de fornecedores, mais positiva é a marca”, acrescenta o fundador da Global Fashion Exchange.
“Não vamos mudar o planeta agora, neste momento, mas podemos inspirar alguém”, conclui o brasileiro Alfredo Orobio. Eva Geraldine Fontanelli sublinha ainda a importância de ter uma atitude positiva, “não bater apenas na tecla do que está mal”.
As Fast Talks foram o pontapé de saída para a ModaLisboa. A passerelle é inaugurada na tarde deste sexta-feira com o concurso Sangue Novo e a apresentação das colecções da Hibu, Valentim Quaresma e do colectivo Awaytomars.