Sem governo, Espanha entra num beco sem saída
Para Pedro Sánchez é vital ter um executivo forte nas “tempestades” previstas para o Outono. Para Pablo Iglesias é vital resolver a crise do Podemos através do seu protagonismo governamental. Jogam à beira do abismo.
A Espanha arrisca-se a permanecer sem governo efectivo até ao fim do ano. As negociações entre Pedro Sánchez, líder do PSOE e presidente do Governo, com Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos (UP), chegaram a um beco sem saída. Sánchez não será investido pelo Congresso nos dias 23 ou 25 de Julho. Restam duas alternativas: um acordo em Setembro ou eleições antecipadas a 10 de Novembro: as quartas em menos de quatro anos. O mundo político espanhol continua a resistir à arte do pacto, o que torna muito difícil fazer coligações a nível nacional. É uma constante histórica que a fragmentação partidária agravou. A sociedade parece saturada e, segundo o último inquérito do CIS, 32% dos inquiridos apontam “a política e os partidos” como o segundo maior problema de Espanha, a seguir ao desemprego.
Sánchez anunciou a ruptura das negociações com Iglesias, a pretexto da convocação de uma “consulta às bases” do UP com duas questões alternativas que induzem um antecipado repúdio das propostas do PSOE, o que Sánchez qualificou de “farsa”. Mas Pablo Echenique, secretário político do UP, recusou a ideia de ruptura e apelou ao “espírito negocial” de Sánchez.
Sánchez venceu as eleições de Abril correndo na faixa esquerda, mas, para governar, que circular na faixa central, observou um jornalista. O que bloqueia a negociação não é o programa, ainda por discutir, mas o papel do UP e, em particular o de Iglesias, no futuro governo. Para os socialistas, o modelo ideal seria uma “geringonça”, o que Iglesias rejeita. Exige uma “coligação” e pastas ministeriais na proporção dos seus votos.
Iglesias precisa de travar o declínio do seu partido. As sondagens indiciam que a passagem do estilo populista para o “bolchevismo soft”, concretizado pela aliança com os comunistas, diminuiu o seu poder de atracção. “Iglesias quer estar no governo para projectar força”, observa o jornalista Enric Juliana. É uma questão vital. “Sabe que o Podemos ministerial será objecto de crítica feroz e constante, o que o reforçaria.” No cenário ideal, pretenderia ser vice-presidente do governo. Mas “Sánchez não quer ser colonizado mediaticamente por Iglesias”. Por isso, a única cedência que faz é conceder-lhe três ou quatro ministérios técnicos, excluindo as suas principais figuras políticas, o que Iglesias logicamente rejeita.
As principais instâncias do PSOE felicitaram a ruptura anunciada pelo seu líder. Recusam categoricamente um “governo bicéfalo”. Sabem que, apesar dos votos de moderação de Iglesias – como deixar na gaveta a reivindicação do referendo catalão –, os dois partidos têm profundas divergências sobretudo nas “questões de Estado”, da Catalunha à política europeia. Sánchez teme um conselho de ministros bloqueado.
Como ameaça negocial, o PSOE evoca a perspectiva de um afundamento do UP no caso de eleições antecipadas. Mas também as eleições preocupam Sánchez. As sondagens apontam um crescimento eleitoral do PSOE. Mas a conquista de mais alguns deputados à custa do Podemos nada resolveria em termos de equilíbrio parlamentar. Por outro lado, Sánchez já não poderá contar com “a ameaça Vox” para mobilizar a esquerda. O Vox está em queda e deixou de assustar. Por fim, poderia surgir uma novidade à direita: uma aliança Entre o PP e o Cidadãos nos círculos mais pequenos que, graças à lei eleitoral, foram um maná para os socialistas.
A questão mais grave para Sánchez seria chegar ao fim do ano sem um governo efectivo. A sentença dos dirigentes catalães deverá sair em Outubro, podendo voltar a “incendiar” a Catalunha. O país não pode continuar sem Orçamento e vai estar sob pressão de Bruxelas. Sánchez anseia por um papel mais relevante na UE, o que só é possível com o governo credível. Também em Outubro pode acontecer o “‘Brexit’ duro”. O ideal para Sánchez seria que, em Setembro, o PP e o Cidadãos se abstivessem e facilitassem a investidura, em nome de uma “emergência nacional”, cenário altamente improvável.
No fim de contas, PSOE e Podemos não têm interesse em eleições antecipadas, mas é muito o que os separa. Jogam à beira do abismo.