Amazing Aretha: já se pode ver o filme-concerto da rainha da soul
Devido a problemas técnicos, primeiro, e a querelas legais, depois, o registo dos dois concertos gospel de Aretha Franklin viu a sua chegada ao circuito comercial adiada durante décadas. Amazing Grace instala-se agora nos cinemas dos Estados Unidos, Irlanda e Reino Unido. Em Portugal ainda não há datas. Talvez ela tivesse preferido mantê-lo escondido. Ou talvez não.
Foi preciso esperar quase 50 anos por este documentário feito a partir de dois míticos concertos gospel de Aretha Franklin, mas, a avaliar pelas críticas que vão surgindo aqui e ali, valeu bem a pena. Nele a rainha da soul aparece em todo o seu esplendor, no pico da fama, com a sua voz poderosa e a sua presença magnética, escrevem os críticos anglo-saxónicos.
Amazing Grace, um projecto que começou por ser realizado por Sydney Pollack, resulta do registo dos dois concertos que a cantora deu em 1972, frente a uma congregação baptista de Los Angeles, na companhia de um coro. Aretha, então com 29 anos, aparece com vestidos discretos, cantando do púlpito ou ao piano. É precisamente numa das vezes que está a tocar que surge o seu pai, o reverendo C. L. Franklin, figura decisiva na sua vida, limpando-lhe a testa como provavelmente faria, escreve o crítico do The Guardian Peter Bradshaw, quando ela era ainda adolescente. É também o pastor que neste concerto filmado sem grandes artifícios de som fala longa e carinhosamente sobre a infância de Aretha, que praticamente não se dirige à assistência entre canções: cabe a James Cleveland, conhecido como o rei do gospel, o papel de MC nos dois dias de concerto. Ela está lá para cantar e fá-lo como só ela sabe em temas icónicos como Mary don’t you weep, espiritual do tempo da escravatura, How I got over e, naturalmente, Amazing grace.
Amazing grace é o tema mais emocionante desta hora e meia de filme. São 11 minutos que acabam com músicos, elementos do coro e do público em lágrimas. Aretha, que naqueles concertos abre mão de interpretar canções soul que lhe tinham trazido já grande notoriedade para se entregar ao gospel da sua infância, fica aparentemente imperturbável. Ao fundo vêem-se Mick Jagger e Charlie Watts, fãs confessos, como o próprio Pollack.
O filme não foi lançado logo após a gravação devido a problemas técnicos de sincronização do som com a imagem, à data irresolúveis. Mais tarde, com a tecnologia digital, foi possível ultrapassar este obstáculo mas, então, terá sido a própria Aretha Franklin a ordenar aos seus advogados que interpusessem uma providência cautelar para impedir a sua estreia, que esteve já agendada para 2016, alegando que os direitos da imagem da cantora não tinham sido adquiridos quando o filme, ainda incompleto, foi comprado à Warner pelo produtor Alan Elliott.
O documentário não foi lançado na época, mas o disco homónimo sim e com grande sucesso – vendeu dois milhões de cópias só nesse ano de 1972.
Com o agravamento do estado de saúde de Aretha, que morreria em 2018 aos 76 anos depois de oito a lutar contra um cancro no pâncreas, a produção insistiu em mostrar à cantora e compositora o filme acabado, que agora chega às salas sem a assinatura de Sydney Pollack (1934-2008), uma vez que o realizador não deixou expresso se queria ou não ter o seu nome associado a um projecto que não chegou a terminar. Aretha gostou, garante Alan Elliot. “Nós sabíamos que ela estava muito doente e acordámos que o filme ficaria em suspenso até que a família estivesse pronta. Mas ela adorou o filme. E isso é a parte mais louca de tudo isto”, disse agora à BBC o produtor.
Amazing Grace teve estreia mundial em Novembro, no festival DOC NYC, e passou por várias salas de Los Angeles e Nova Iorque ainda no final do ano passado, em sessões especiais, mas só agora é disponibilizado em exibição alargada nos Estados Unidos. Na Irlanda e no Reino Unido estreou-se precisamente esta sexta-feira. Seguem-se a França e a Austrália (em Junho) e, depois, a Holanda (Outubro).
Em Portugal não há data de estreia prevista e o mais provável é que não chegue às salas. A avaliar pelo que sucedeu com os documentários de outras estrelas femininas da música — Beyoncé e Nina Simone —, para quem quiser ver Amazing Grace o melhor mesmo é estar atento aos serviços de streaming.
Elliott acredita que, durante quase 50 anos, Franklin não quis que o documentário se estreasse porque lhe fazia lembrar uma profunda desilusão: a cantora esperava que o filme lhe tivesse aberto as portas de Hollywood, o que não aconteceu. “Aretha Franklin viu ser-lhe negada a hipótese de se transformar numa estrela de cinema, e a isto se resumia o seu problema com este filme”, afirmou Elliott à televisão pública britânica, garantindo que ela tomara como exemplo outras cantoras a quem os estúdios se tinham rendido, como Diana Ross (Lady Sings the Blues) e Barbra Streisand (O Nosso Amor de Ontem e Uma Rapariga Endiabrada). “Ela não era contra o filme, mas tinha grandes expectativas e também queria receber muito dinheiro, algo que nunca ninguém tinha pago por um documentário.”