Amazing Grace, o documentário de Sydney Pollack sobre Aretha Franklin que esperou 46 anos, vai chegar
Inacabado devido a problemas técnicos, suspenso por querelas legais, o registo dos míticos concertos gospel da rainha da soul tem finalmente estreia à vista.
O filme-concerto Amazing Grace, um documentário de Sydney Pollack que regista duas noites de actuação gospel de Aretha Franklin em Los Angeles em 1972, vai finalmente ser visto depois de 46 anos de espera devido a problemas técnicos e querelas legais. “O mundo precisa de o ver. Tal é o estado do nosso país”, suspirou no New York Times a sobrinha da rainha da soul, Sabrina Owens, que representa o seu legado.
Amazing Grace vai estrear-se no festival DOC NYC já no dia 12 e depois passar em várias salas de Los Angeles e Nova Iorque ao longo do mês de Dezembro, o que o coloca em posição de ser seleccionado para entrar na corrida aos Óscares de 2019, noticiou a Variety na segunda-feira. Há ainda uma première prevista para Detroit, “a cidade” de Franklin.
A mesma revista especializada indica que ainda não há um acordo de distribuição para uma exibição mais alargada, mas este é um marco inédito para um filme que primeiro foi assolado por problemas de som na película e depois por uma troca de mãos que levaria a própria cantora, que morreu em Agosto aos 76 anos, a interpor várias providências cautelares para impedir a sua estreia entre 2011 em 2016.
Em 1972, o realizador Sydney Pollack (1934-2008) registou duas noites de concerto da rainha da soul na New Temple Missionary Baptist Church de Los Angeles. O filme acabaria por ser terminado já pelo produtor Alan Elliott, que adquiriu o filme incompleto e seus direitos à Warner com a bênção de Pollack. Amazing Grace nunca foi visto pelo público, mas já foi ouvido. Foi registado em áudio e lançado logo em 1972. Continua a ser o disco de gospel mais vendido de sempre, com dois milhões de cópias compradas na altura.
“Tudo começou há 27 anos quando [o produtor do disco] Jerry Wexler me disse: ‘Já agora, filmámos Amazing Grace’”, recordou à Variety o produtor, que trabalhou na indústria musical e que hipotecou a casa para comprar os direitos do filme.
Filmaram, mas havia um problema: por não terem usado claquete, não se conseguiu sincronizar o áudio e a imagem, um problema irresolúvel com a tecnologia disponível no tempo da mistura pré-digital, o que fez com que o filme ficasse simplesmente armazenado durante décadas. E assim se tornasse, como escrevia segunda-feira o New York Times, “um dos santos graal da música”. Inclui uma versão de 11 minutos de Amazing Grace e o espiritual da era da escravatura Mary don’t you weep, mas também How I got over e outros temas essenciais.
Há três anos, chegou a estar prevista a sua estreia nos festivais de cinema de Telluride e Toronto, mas os advogados de Aretha Franklin intercederam dizendo que os produtores não haviam adquirido os direitos sobre a imagem da cantora, com Elliott a contra-argumentar que tais direitos tinham sido garantidos quando da compra do filme ao estúdio americano. As negociações estavam a decorrer amigavelmente, mas o estado de saúde da rainha da soul agravar-se-ia antes de chegarem a bom porto.
“Nas últimas semanas, Alan apresentou o filme à família” em Detroit, disse Sabrina Owens, a sobrinha de Aretha Franklin que é também a executora do seu testamento. “Passa-se num ambiente muito puro, muito comovente e inspirador, e é uma oportunidade para quem não a viu num contexto gospel de constatar quão diversificada é a sua música”, continuou em declarações à Variety. Ali vê-se “Aretha sob uma luz muito diferente: "É muito jovem, muito tímida, e a voz dela é linda (...), absolutamente cristalina e muito pura”, completa a sobrinha.
Franklin chegou a dizer à publicação Detroit Free Press que viu o filme e que o “adorou”. Segundo a Variety e o New York Times, muitos fãs e especialistas na obra de Aretha consideram que estas duas noites de gospel em que a cantora actuou acompanhada por um coro e uma banda naquele templo baptista estão entre as suas melhores actuações de sempre, se não mesmo a melhor no registo gospel. É um filme-concerto em que, segundo Elliott, “Aretha diz seis palavras” apenas.
Amazing Grace será lançado sem crédito de realização, visto que Pollack não deixou expresso antes da sua morte se quereria ter o seu nome num projecto que não terminou. O som do filme esteve nas mãos do engenheiro de som Jimmy Douglass, que já tinha misturado Amazing Grace, o disco, e que fez carreira com Rolling Stones, Roxy Music ou Led Zeppelin e nos últimos anos trabalhou com Jay-Z, Justin Timberlake ou Timbaland. É conhecido pelo epíteto “The Senator” – “o senador” – e está há oito anos a misturar o som do filme, sincronizando-o com as 20 horas de imagens disponíveis, captadas por cinco câmaras de 16 mm.
A estreia em sala de Amazing Grace chega semanas depois de o Netflix ter resgatado dos arquivos o filme incompleto e nunca antes visto de Orson Welles, The Other Side of the Wind, e numa altura em que estarão em curso conversações com o National Geographic para que a próxima temporada da série Genius, que já se focou em Albert Einstein e Pablo Picasso, seja desta feita sobre Aretha Franklin.