Demite-se secretário de Estado que nomeou primo. “Assunto pode prejudicar o Governo”
Carlos Martins demite-se do executivo – é a segunda saída devido à polémica das relações familiares. “Entendo que o assunto pode prejudicar o Governo, o Partido Socialista e o senhor primeiro-ministro”, diz.
O secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, pediu esta quinta-feira a demissão, depois de se ter sabido que tinha nomeado para o seu gabinete, como adjunto, o primo Armindo dos Santos Alves, que também já se demitiu.
O Governo já confirmou, em comunicado, o pedido de demissão. “O secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, em representação do Governo português na Costa Rica, apresentou, hoje, o seu pedido de demissão”, lê-se na nota enviada às redacções.
Na carta que redigiu, Carlos Martins explicou estar “em missão de trabalho no estrangeiro” quando tomou “conhecimento da polémica em torno da nomeação de um membro da equipa” do seu gabinete.
“Ao longo destes anos, enquanto secretário de Estado do Ambiente, agi sempre por critérios de boa-fé e procurei dar o meu melhor para atingir os objectivos do Governo e do Ministério do Ambiente e da Transição Energética”, começa por escrever. E acrescenta: “Entendo que o assunto pode prejudicar o Governo, o Partido Socialista e o senhor primeiro-ministro. Com a mesma honra que determinou a minha aceitação de funções governativas, entendo, nesta hora, pedir a minha demissão ao senhor primeiro-ministro e ao senhor ministro.” A demissão foi aceite pelo ministro e pelo primeiro-ministro.
É a segunda saída do Governo devido à polémica das relações familiares. Na quarta-feira, o Observador noticiou que Armindo dos Santos Alves, primo de Carlos Martins, pediu a demissão de adjunto do gabinete. A demissão aconteceu depois de aquele jornal ter feito perguntas ao Ministério do Ambiente sobre esta relação familiar.
A nomeação tinha sido feita por Carlos Martins em Setembro de 2016 e repetida em Novembro de 2018, o que significa que se ultrapassou uma linha definida pelo próprio primeiro-ministro, a de que um governante não pode nomear um familiar.
Nesta quinta-feira, diferentes vozes à direita pediram a demissão do governante. O líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, defendeu, na RTP: “O secretário de Estado devia demitir-se. Fez uma coisa que não devia ter feito.” Também a líder do CDS, Assunção Cristas, tinha manifestado esse desejo: “Temos assistido com muita perplexidade a variadíssimos casos ligados ao Governo. Hoje à tarde há debate quinzenal, seria bom se porventura não tivéssemos o secretário de Estado no Governo esta tarde”, disse, citada pela TSF. Já o presidente do PSD, Rui Rio, tinha considerado que se tinha ultrapassado “os limites”.
O próprio PS admitiu ser "profundamente errado” e “inadequado" que um governante possa nomear um qualquer seu familiar”. A declaração foi de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do partido, que sublinhou ainda ser “evidente, óbvia e normal” a demissão de Armindo dos Santos Alves, primo do secretário de Estado do Ambiente.
Ministro agradece “empenho"
Também em comunicado enviado nesta quinta-feira, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, agradece “todo” o “empenho profissional e político” de Carlos Martins, registando os “relevantes sucessos, conseguidos ao longo dos mais de três anos em funções”.
“De entre estes, devem destacar-se o processo de fusão dos sistemas municipais de gestão de águas, os novos planos de gestão de recursos hídricos, a condução do processo de adaptação do território às alterações climáticas e uma nova política de gestão para os resíduos sólidos urbanos, fundada nos princípios da economia circular. No contexto das políticas do ministério, a acção generosa e esclarecida do Carlos Martins foi de importância capital e deixa um legado de futuro que iremos continuar, desenvolver e aprofundar”, escreve o governante.
A história da morada
Não foi a primeira vez que Carlos Martins se viu no meio de uma polémica. Já antes, tinha estado debaixo dos holofotes por ter recebido um subsídio de alojamento como se estivesse a viver no Algarve, onde tinha a morada fiscal e permanente, quando estava a residir em Cascais. A casa no Algarve tinha sido comprada pouco antes da tomada de posse.
Carlos Martins acabaria não só por abdicar do subsídio de alojamento que recebia mensalmente desde 26 de Novembro, quando foi nomeado para o Governo, como devolveria todo o dinheiro que recebeu – 2616,28 euros.
A polémica em torno das relações familiares existentes no Governo já vinha a arrastar-se há algum tempo. A controvérsia começou por causa de relações familiares entre ministros do Governo, como é o caso, por exemplo, de Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino (marido e mulher) e José Vieira da Silva e Mariana Vieira da Silva (pai e filha). Outra ligação que causou burburinho: Ana Catarina Gamboa, mulher do ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, foi nomeada para chefe do gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro.
Mesmo não estando em causa nomeações feitas directamente pelos próprios familiares, estas situações já tinham merecido reprovação de vários protagonistas políticos. Mas não só. Também académicos ouvidos pelo PÚBLICO referiram, entre outras críticas, que estas práticas colocam entraves à “renovação das elites” no país.