Tribunal de Contas identifica "deficiências" na privatização das seguradoras da Caixa
Alienação da Fidelidade, Multicare e Cares decidida pelo anterior Governo "não se revela vantajosa para o interesse público" a "médio prazo". Tribunal critica falta de independência e processo de venda.
A alienação apresenta "deficiências" no que diz respeito à "independência" na avaliação do valor das seguradoras, "não se revela vantajosa para o interesse público" a médio prazo e "não foi eficiente". Estas são as três principais conclusões do relatório do Tribunal de Contas à alienação das três seguradoras do Grupo Caixa Geral de Depósitos (CGD), a Fidelidade, a Multicare e a Cares, pelo anterior Governo à Longrun, do grupo chinês Fosun.
A auditoria, a que o PÚBLICO teve acesso, critica a opção de venda das seguradoras, por vários motivos. O primeiro diz respeito ao processo. Lembra o Tribunal que "entre a avaliação das seguradoras e a alienação foram realizadas operações prévias (redução de capital e distribuição de dividendos) que tornaram as empresas mais acessíveis e atractivas para o mercado". Contudo, para o Tribunal, há várias "deficiências nesta parte do processo". "Enferma de deficiências quanto à garantia de independência na avaliação das seguradoras, à indefinição do caderno de encargos, ao défice de fundamentação para a escolha da modalidade de venda e à alteração dos critérios de avaliação na fase de apreciação das propostas vinculativas", lê-se no relatório.
No que à independência diz respeito, em causa está o facto de a avaliação das seguradoras ter sido feita pela Caixa BI, do Grupo Caixa. Diz o relatório que esse facto "suscita óbvias reservas sobre o requisito de independência legalmente exigido ao avaliador, face às empresas avaliadas e ao seu accionista". Como resultado, a avaliação foi feita apenas tendo em conta um cenário desactualizado (anterior à redução de capital de 2013), não tendo sido revisto antes do fim do processo, e não tendo sido fornecidos ao Grupo Caixa "elementos pertinentes" para que fosse possível "verificar os valores apresentados nas avaliações em causa".
Tendo em conta essas limitações, "a melhor expectativa do Grupo Caixa resultante das avaliações era alienar a totalidade das participações sociais das três seguradoras por 1,7 mil milhões".
Mas estas, acrescenta o Tribunal, não são meras deficiências no processo, são problemas "que constituem reservas importantes e suscitam crítica".
Além do processo, o Tribunal critica os resultados. De acordo com o relatório, a venda até "foi eficaz a curto prazo" porque conseguiu que o Grupo Caixa atingisse os objectivos, nomeadamente a decisão política de concentrar o grupo do banco público apenas na sua parte financeira, alienando os seguros. "Porém, a médio prazo, a opção não se revela vantajosa para o interesse público", revela o relatório que lembra que as seguradoras tiveram, nos anos a seguir, resultados positivos em várias centenas de milhões de euros (752 milhões de euros de 2015 a 2017).
Além dos resultados, o Tribunal lembra que estas empresas tiveram uma "valorização importante dos seus activos imobiliários" que podiam ter contribuído para a "necessidade de recapitalizar o Grupo Caixa em 2017".
Ainda no que diz respeito aos resultados, para o Tribunal, esta alienação também "não foi eficiente", uma vez que o processo "foi realizado em contexto e oportunidade adversos à maximização do seu resultado, sem estar suportado por uma avaliação de custo e benefício, em consequência da decisão do Estado (o accionista do Grupo Caixa) motivada por compromissos internacionais".
Sobre a decisão, o relatório do Tribunal de Contas lembra, nas suas conclusões, que houve um "estudo preliminar" da JP Morgan pedido pela CGD a "desaconselhar" a venda naquela altura, sugerindo o seu adiamento, uma vez que "as condições de mercado" limitavam "o interesse de eventuais compradores".
Além deste estudo, a decisão não foi unânime no Conselho de Administração da CGD "quanto à oportunidade e à modalidade de venda". No documento, é citada parte de duas actas do conselho de administração, de 30 de Outubro de 2012 e de 14 de Dezembro do mesmo ano, que mostram que não havia consensos "tendo sido defendido que a mesma apenas deveria ocorrer se necessário e quando as condições de mercado assegurassem uma operação favorável à CGD".
Perante os erros cometidos que não favoreceram a CGD, de acordo com o TdC, o auditor faz várias recomendações para casos futuros, que vão ao encontro dos problemas identificados. Assim, recomendam a necessidade de obter "avaliações de custo e benefício actualizadas" que suportem e fundamentem "decisões de alienar (total ou parcialmente) empresas públicas", ou que seja assegurada a "independência legalmente exigida aos avaliadores de empresas públicas a alienar" como, por exemplo, exigir dos consultores externos toda a informação para a "plena compreensão dos processos em causa".
Nota: Notícia actualizada às 18h30 com mais informações sobre o relatório de auditoria do Tribunal de Contas.