Moon Ribas, a artista cyborg que dança quando sente sismos — e quer salvar a Terra

Por causa de dois implantes nos pés, que estão sincronizados com sismógrafos online, sente terramotos a toda a hora. Apresenta-se como cyborg graças a este novo sentido que a tecnologia lhe deu. Com ele, faz arte e gostava de mudar o mundo. “Poderia ser melhor desenharmo-nos a nós próprios para nos adaptarmos melhor ao planeta em que vivemos.” E não ao contrário.

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Lars Norgaard

Sempre que um sismo sacode a Terra, Moon Ribas sabe-o. Sente vibrações a nascerem-lhe dos pés, tanto mais fortes quanto mais intenso for o abalo ­— só tem de atingir, pelo menos, 2 graus de magnitude na escala de Richter para ela o perceber. “No início”, recorda, “tive de me habituar a sentir estas vibrações constantemente, acordava a meio da noite com elas, parava de falar se as sentia”. Mas agora são parte dela, como “um novo sentido”. “É como se sentisse que agora tenho dois batimentos cardíacos.” Um do coração, o heartbeat, e o outro da Terra, o earthbeat. E senti-lo mudou a forma como hoje encara o planeta.

Com 33 anos, Moon assume-se como cyborg e é uma das precursoras da chamada cyborg art. Em 2013, depois de umas outras experiências sensitivas (já lá vamos), decidiu colocar um chip no braço que, ao estar sincronizado com sismógrafos online, vibrava sempre que havia um terramoto. Entretanto, substitui-o por dois implantes nos pés, carregados por indução, que são os actuais responsáveis pelo seu inovador sexto sentido: seismic sense, algo como sentido sísmico.

A mando deles dança — ou não dança. Bailarina e coreógrafa de formação, criou a peça Waiting for Earthquakes em que apenas se move se os seus pés mandarem, se a actividade sísmica da Terra o determinar — é o planeta o coreógrafo, ela a simples intérprete. “Pode durar cinco minutos ou horas. E, se não há sismos, a performance não tem dança ­— nem todos os promotores gostam disto”, diz, entre risos, numa chamada com o P3. Também tem outra parceria artística com a Terra, Seismic Percussion, que transforma o astro em compositor e Moon na percussionista de serviço: toca bateria de acordo com o ritmo das placas tectónicas. Tanto o faz em tempo real como seguindo dados recolhidos a priori — no México, por exemplo, interpretou a actividade sísmica nos últimos 50 anos. “Para que os os mexicanos pudessem ouvir o seu país a mover-se.”

Provavelmente, nada disto teria acontecido se Moon não tivesse crescido ao lado de Neil Harbisson, artista de que alguns já terão ouvido falar porque se tornou no primeiro humano a ser reconhecido como cyborg. Tudo aconteceu quando, há 15 anos, o Governo aceitou que Neil fosse fotografado para o passaporte com a antena que implantou na cabeça — com o aparelho, que aprimorou até hoje, consegue ouvir a frequência da luz e, assim, distinguir cores e ultrapassar a acromatopsia de que padece.

Moon e Neil são amigos de infância, partilharam brincadeiras em Mataró, Barcelona, e depois a carteira no Darlington College of Arts, no Reino Unido, onde se licenciaram. Foi lá, na universidade, que foram “encorajados” a fazer experiências com a tecnologia. “Mas”, conta Moon, “sempre me pareceu que a tecnologia era muito fria e distante”. Vai daí apostou em naturalizá-la, tornando-a parte da sua própria percepção. “Foi assim que tudo começou, a sentir coisas que não podemos sentir com os nossos próprios sentidos e corpos”, evidencia. Não para expandir capacidades, antes para explorar sentidos e experiências. Não para se tornar cyborg (“isso nunca foi um objectivo”) ou ser “melhor”, antes usando a tecnologia como uma ferramenta artística íntima, tornando-a parte do corpo.

Desenhar humanos para um melhor ambiente

Corria 2007, Steve Jobs anunciava o primeiro iPhone e Moon criava uns óculos caleidoscópicos para ter uma nova percepção de visão. “Mas não fazia muito sentido porque estava a bloquear um sentido que eu já tinha”, concluiu. No ano seguinte, idealizou uma luva equipada com um velocímetro que indicava a velocidade das pessoas para quem a criadora apontava. “Mas não era assim tão bom porque eu não queria saber a velocidade, queria sentir a velocidade.” Transformou então a luva num par de brincos que vibravam de acordo com a velocidade de quem dela se acercava. Com eles percorreu a Europa à boleia para medir a velocidade dos habitantes de cidades como a de Luxemburgo, Berlim, Viena, Oslo, Roma e até Lisboa, enquanto Neil procurava a cor dominante do local. “Era outra maneira de definir a capital”, recorda. As conclusões foram parar a um vídeo, em que se percebe, por exemplo, que “Lisboa era calma e relaxada, enquanto Londres e Estocolmo eram as mais rápidas”. E que a mais lenta era a Cidade do Vaticano. Simples: “Muitas pessoas em filas à espera.”

Mas não bastava. Moon resolveu depois virar os brincos ao contrário, o que lhe permitiu perceber se algo ou alguém estava atrás dela. “É um sentido que nós damos aos carros, mas não a nós”, explica, em jeito de interrogação. “Se andamos rápido numa cidade e temos pessoas a bloquear o nosso caminho, elas não conseguem sentir que estamos atrás. Achei que poderia ser útil termos isso.”

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Moon Ribas tem 33 anos e é natural de Barcelona Lars Norgaard

É um pouco isso que norteia a sua missão, tanto artística, como social. Ter uma percepção intimamente ligada à Terra, senti-la a mexer-se constantemente a seus pés, a “evoluir” enquanto “organismo vivo”, fê-la perceber várias coisas. Por exemplo, que “a forma como o ser humano vive não está de acordo com o planeta em que vive”: “Se estivéssemos mais atentos à Terra, se calhar não estaríamos a construir grandes cidades na borda das placas tectónicas ou faríamos casas mais adaptadas a um planeta em movimento.” Um pensamento que está na base da Cyborg Foundation, organização sem fins lucrativos criada em 2010 por Moon e Neil, que se propõe a ajudar humanos a transformarem-se em cyborgs, a defender os direitos dos cyborgs (como o de não ser hackeado ou de proteger a tecnologia implantada) e a promover a cyborg art. “Há centenas e centenas de anos que os humanos têm estado a mudar o ambiente para viverem mais confortáveis quando poderia ser melhor desenharmo-nos a nós próprios para nos adaptarmos melhor ao planeta em que vivemos.”

Moon desfia exemplos. “Se tivéssemos visão nocturna, como algumas espécies têm, talvez não gastássemos tanta energia que está a danificar o nosso planeta. Se conseguíssemos controlar o nosso próprio aquecimento, não iríamos precisar de sistemas de aquecimento.” Moon e Neil, por exemplo, desenvolveram um Sistema de Comunicação Transdental, para já ainda apenas um protótipo: cada um colocou num dente um dispositivo bluetooth que, quando pressionado, envia uma vibração para o outro dente, permitindo a ambos comunicar por código Morse – quem sabe que implicações tal tecnologia poderia ter num presente mascarado de futuro?

Tudo isto é natureza, tudo isto é arte

Criar ou adicionar novos sentidos ao corpo através da tecnologia é, para eles, uma “alternativa”. Particularmente “excitante”, diz Moon. “Não precisamos de esperar pela evolução natural, podemos evoluir através do nosso estilo de vida, decidir como queremos ser.” A inteligência artificial não é coisa que lhes interesse (tem calma, Elon Musk!) — querem usar a tecnologia para “sentir” e não para saber coisas. Tal como Donna Haraway, autora do famoso A Cyborg Manifesto (1985), ensaio que apresenta o conceito de cyborg como uma forma de transgressão de fronteiras sociais e políticas (e que lançou as bases para o ciberfeminismo), Moon vê a tecnologia como uma cúmplice para a mudança ­(“é uma escolha humana usá-la bem ou mal”). Mas encara tudo isto a partir de “um prisma artístico”, e “não de género ou de humanidade”. Trata-se de cyborg art, “a arte de criar novos sentidos, uma nova percepção, uma nova experiência” — e de criar peças artísticas a partir destes novos sentidos.

Moon tem corrido o mundo a apresentar a sua vida, as suas criações, o seu futuro — esteve no Porto, em Maio de 2018, num TedX. Há sempre burburinho na audiência quando começa as suas conferências, nuns países mais do que noutros: há quem a escute e pense no Terminator, há quem a ouça já com chips implantados no corpo (como na Suécia, em que milhares já o fizeram para facilitar a entrada em casa, no escritório ou no ginásio). Mas não está sozinha.

Cada vez mais pessoas, diz, os contactam, sobretudo muitos jovens. Também a pensar nisso, a Cyborg Foundation tem desde 2017 um novo projecto, a associação Transpecies Society, fundada por Moon, Neil e outro artista cyborg, Manel Muñoz. “É como uma comunidade e as pessoas podem tornar-se membros. Queremos dar voz às pessoas que não se sentem 100% humanas.” Com ou sem tecnologia: as portas estão abertas a todos. Vão ter uma revista, uma rádio e têm artistas em residência na sede, em Barcelona — estão por agora a desenvolver um novo sentido para um rapaz que quer sentir os raios cósmicos.

Certo é que ser cyborg a aproximou não das máquinas, mas da Terra e de outras espécies. “Às vezes não precisamos de ver ficção científica, basta olharmos para a natureza e encontramos muitas maneiras surpreendentes de ver a realidade.” Animais que conseguem voar, que vêem no escuro, que se iluminam no breu. E que podem inspirar os humanos. O que lhe reserva, não o futuro, que já está aqui ao lado, mas o agora? Os mesmos sensores que traz nos pés também lhe permitem sentir os sismos na Lua, ainda que não em tempo real — ainda há uns dias fez uma performance em que transcrevia a actividade sísmica da Terra na bateria e a da Lua num gongo. Desta forma, explora o espaço sem apanhar um foguetão; desta forma, diz, todos nós podemos ser senstronauts, astronautas dos sentidos. E assim redescobrir o planeta. Como a própria Moon, “fisicamente na Terra, com os pés na Lua”. 

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