RoboRoach: o primeiro cyborg comercializável do mundo é... uma barata

E eis que chegamos ao momento em que há baratas telecomandadas a partir do "smartphone". O RoboRoach é uma forma (pouco consensual) de aprender mais sobre neurociência

Costuma dizer-se que, em caso de catástrofe, a barata será o único animal a ficar de pé — salvo seja. Agora, imaginemos um mundo em que estes resistentes insectos são telecomendados e caminham entre nós. Bem-vindos ao presente: conheçam o RoboRoach, apregoado como o primeiro cyborg comercializável de sempre, que tem levantado umas quantas questões por todo o mundo.

Desde os tempos da Universidade do Michigan que Greg Gage e Tim Marzullo lutam por aproximar a neurociência dos jovens. Em 2009, criaram então a “start up” Backyard Brains, de onde saiu este amoroso bichinho, depois de três anos de trabalho e de uma popular campanha de “crowdfunding”. O RoboRoach é, pois, uma barata (em todo o seu esplendor) equipada com uma espécie de mochila, que estabelece a comunicação entre o "smartphone" e as antenas do insecto. E não é um brinquedo. Expliquemos — e aprendamos mais sobre a "blattaria".

Kits à venda, mas sem baratas

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O RoboRoach custa 99,99 dólares DR

As baratas usam as suas antenas para andar pelo mundo. O método é simples: sempre que uma delas toca numa parede, o insecto muda de direcção. Isto porque têm neurónios, sensíveis ao toque e ao cheiro, que fazem chegar informação ao cérebro.

A “mochila” que a Backyard Brains desenhou comunica directamente com os neurónios através de pequenos impulsos eléctricos. Para isso, a barata é submetida a uma pequena operação cirúrgica — e aqui é que a porca torce o rabo, mas já lá vamos — para inserir eléctrodos dentro das antenas. De “casa” às costas, a barata é, assim, telecomandada pelo nosso “smartphone” através de Bluetooth. Sempre que damos uma ordem — esquerda ou direita —, a “mochila” engana a barata, enviando impulsos eléctricos para uma das antenas. A barata pensa que vai atingir um objecto e muda a direcção. É a mesma técnica de microestimulação que é usada para tratar a doença de Parkinson e nos implantes cocleares.

E quem é que (não) quer telecomandar uma barata? Apesar de a única resposta possível só ser uma, o RoboRoach destina-se “ao melhor do mundo”: as crianças (com monitorização dos pais) e os jovens, claro, cuja capacidade de apego a animais desacreditados é amplamente reconhecida. É uma forma, diz quem o idealizou, de aprender sobre neurotecnologia e electrónica desde cedo e assim estimular a investigação do tratamento de doenças neurológicas. Depois da versão beta, o kit definitivo já está em regime de “pre-order” — até Novembro esperam entregar todas as encomendas e que a app esteja na AppStore. Custa 99,99 dólares, mas a partir de seis kits o preço baixa para os 89,99 por unidade. Cada um inclui a “mochila” reutilizável, eléctrodos e bateria, mas não as baratas. Eles até as vendem, mas Portugal não está incluído na rota. Por isso, da próxima vez que vires uma, pensa duas vezes: podes estar à frente de um potencial cyborg.

"Neuro-revolução" ou maldição Imperius?

Depois de dois a sete dias, a microestimulação deixa de funcionar, por isso a barata pode ser devolvida à colónia (sim, convém ter uma colónia) para continuar a sua vidinha: “fazer mais baratas e comer alface”. Se, por um lado, a ideia de ter uma barata cyborg extasiou muita gente, por outro levantaram-se preocupações éticas relativamente ao bem-estar do insecto. É legítimo controlar um ser vivo por “smartphone”? Operar animais será a melhor maneira de ensinar neurociência? E a cirurgia? É dolorosa?

Esta “neuro-revolução”, como a designam Gage e Marzullo, está a “encorajar amadores a operar invasivamente organismos vivos” e a pensá-los como “meras máquinas ou ferramentas”, condenou, em declarações à “Wired”, Michael Allen Fox, professor de filosofia na Universidade de Queen, em Kingston, Canada, referindo-se à operação a que os insectos têm de ser submetidos — como se pode ver no vídeo à esquerda, os “cirurgiões” têm de os anestesiar em água gelada, imobilizá-los para colar os conectores (com super-cola) na cabeça, cortar as antenas, etc. Gregory Kaebnick, do Hastings Center, instituto dedicado à investigação em bioética, vai ainda mais longe e compara o processo à imperdoável maldição Imperius da saga Harry Potter, com a qual se tem total controlo da vítima.

Os criadores defendem-se. Redigiram um documento com directrizes éticas para os produtos que recorrem a insectos (como a SpikerBox). Quanto ao RoboRoach, contrapõem todas as críticas. O nome e a proposição são assumidamente “provatórios” para “captar a atenção do público”; não é um “brinquedo”, mas sim uma “poderosa ferramenta low-cost para estudar circuitos neurológicos” (“Temos cientistas e professores que estão a orientar estudantes em novas experiências de comportamento que usam o circuito do RoboRoach”); ajuda a próxima geração de engenheiros, cientistas e físicos a começar a enfrentar o “verdadeiro problema de encontrar tratamento para as doenças neurológicas”; por fim, o insecto não experiencia dor (“é, aliás, discutível se sentem dor de todo”) e a estimulação usa a mesma frequência que é aplicada no tratamento de doentes de Parkinson. Posto isto, estará a chegar o dia em que as baratas vão estar à solta nas aulas de aula — e nós vamos gostar?

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