Fisco fica a saber quem tem mais de 50 mil euros num banco
Instituições financeiras terão de enviar ao fisco informação sobre o saldo bancário dos clientes no final do ano anterior, se o valor for superior a 50 mil euros. Palavra final cabe a Marcelo.
O fisco deverá ficar a conhecer, já este ano, quanto é que os contribuintes tinham depositado no banco a 31 de Dezembro de 2018 (se o saldo for superior a 50 mil euros). Depois de estar parada no Parlamento durante oito meses, a proposta do Governo para que os bancos comuniquem essa informação à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) foi aprovada na especialidade nesta quarta-feira. Falta agora a votação final e uma decisão do Presidente da República.
Na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, a medida contou com os votos favoráveis do PS, do BE e do PCP. O PSD votou contra e o CDS-PP absteve-se. A iniciativa vai obrigar os bancos a comunicarem o saldo bancário dos clientes até 31 de Julho de cada ano relativamente às informações referentes ao ano anterior e prevê que isso aconteça já quanto a 2018.
Se um cidadão tiver mais de 50 mil euros num banco, independentemente do número de contas abertas na mesma instituição, o banco terá de comunicar ao fisco o total depositado no final do ano. Este patamar é sempre visto banco a banco, ou seja, se uma pessoa tiver dinheiro em dois bancos e cada saldo estiver abaixo dos 50 mil euros não verá os valores comunicados à AT.
Os dados serão enviados em formato digital, faltando ainda à equipa do ministro das Finanças aprovar uma portaria a definir a declaração modelo. A instituição liderada por Helena Borges ficará a conhecer o saldo, mas não os movimentos ou outras informações detalhadas sobre as contas ou a origem do dinheiro. Com a nova informação, porém, o fisco fica habilitado a cruzar dados e detectar situações de risco de evasão, ao passar a ter um conhecimento mais fino do património financeiro dos cidadãos.
Os dados não serão partilhados com as outras autoridades tributárias, como acontece com a informação que o fisco hoje já recebe dos bancos sobre os contribuintes não-residentes, por força das regras europeias e internacionais. “A confidencialidade dos dados obtidos é garantida, não havendo lugar a troca de informações com terceiros, privados ou públicos, nacionais ou estrangeiros”, sublinha o Governo na explicação que acompanha o articulado da proposta de lei.
É uma medida há muito reclamada pelo Governo de António Costa. A ideia chegou a ser vetada pelo Presidente da República em Setembro de 2016, mas a nova iniciativa está agora mais próxima de estar no terreno. Se a principal objecção que Marcelo Rebelo de Sousa então colocou foi o facto de a medida poder comprometer a estabilização do sistema financeiro, assim que, em Maio, o Governo recuperou a iniciativa, Marcelo deixou a porta entreaberta à promulgação, ao afirmar que a condição de que falara estaria “em princípio” ultrapassada.
Na prática, a administração fiscal passará a receber o mesmo nível de informação que já tem em relação aos clientes bancários não-residentes. Os bancos e as outras instituições financeiras são obrigados a enviar o valor do saldo, porque o fisco tem de trocar essa informação de forma automática com as administrações fiscais dos outros países europeus e de alguns países da OCDE de que recebe dados equivalentes.
Por força de regras europeias, o Governo teve de legislar essa primeira obrigação relativa aos contribuintes não-residentes e foi nessa altura que decidiu alargar a obrigação aos clientes bancários residentes em Portugal, por considerar não haver justificação para ter menos informação sobre eles do que o outro universo.
Foi essa parte do diploma que acabaria por ser retirada na sequência do veto presidencial; e foi essa parte que entretanto deu origem a um novo diploma, apresentado em Maio no Parlamento, mas desde então parado, até agora ser aprovado na especialidade oito meses depois.
Ao manancial de informação que vai receber o fisco terá de aplicar as “medidas especiais de segurança” da lei de protecção de dados. Quando a primeira iniciativa foi lançada, ainda antes de o Governo decidir impor essa obrigação apenas para os saldos bancários acima daquele patamar, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) apresentou reservas, alertando que abalaria “seriamente a vida privada dos cidadãos” e “decisivamente o sigilo bancário em relação ao Estado”.
Chamado pelo Parlamento a pronunciar-se sobre o diploma de Maio, o Banco de Portugal não disse se é a favor ou contra a obrigação – lembrou que o fisco já tem acesso a muita informação que lhe permite conhecer o património financeiro dos cidadãos.