Quatro noites e nenhum dia no planeta Islândia

No Inverno islandês os dias nascem tarde e com o fim à vista. Esticamo-los ao máximo porque as paisagens lunares e surrealistas não esperam por nós, parecem efémeras — como o gelo azul dos glaciares. Temos 12 horas para fotografar tudo. Contagem decrescente.

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Luís Octávio Costa
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Três dias completos com quatro horas de luz por dia dá um total de 12 horas — mais crepúsculo, menos crepúsculo. Feitas as contas, temos mais ou menos meio dia para explorar a nossa fatia de Islândia, para percorrer cerca de 200 dos 1332 quilómetros da Ring Road (ficamo-nos entre a capital Reiquejavique e a praia de areia preta e colunas de basalto Reynisfjara) à procura dos desvios que nos conduzam aos “planetas” mais extraordinários, para fotografar — Galaxy A9 à mão — paisagens insólitas, quase alienígenas. É pouco. Mas a Islândia saberá sempre a pouco.

Aterrar em Dezembro na Islândia já sem luz implica desde logo alguns ajustes e um manual de instruções que pode muito bem começar pela posição em que estacionamos o Super Jeep em relação ao vento. Ele, o vento, é quem mais ordena. Aqui, principalmente no Inverno, os carros ficam de frente para o vento para evitar que as portas voem para longe (a maior parte das apólices não paga portas arrancadas; muitas delas nem sequer vidros estilhaçados por rochas vulcânicas projectadas pelos ventos irreverentes) e para ficarmos com uma zona segura e abrigada quando abrimos a bagageira. Aqui, principalmente no Inverno rigoroso (como hoje), ignorar as regras pode significar uma aventura estragada. Prestamos toda a atenção às indicações do nosso guia Laurent Jegu — e rapidamente aprendemos a não lhe perguntar como se chama isto ou aquilo, porque a resposta virá sempre numa língua macarrónica e irrepetível; o melhor é pedir para escrever.

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Imagem de drone da Praia dos Diamantes Luís Octávio Costa

125 quilómetros por hora. O vento sopra à mesma velocidade a que rolamos entre o aeroporto e a Blue Lagoon, um spa geotérmico artificial que fica a cerca de 20 quilómetros do Aeroporto Internacional de Keflavík. Estacionamos, socorremos uma vítima de estacionamento a favor do vento e cerramos dentes e casacos impermeáveis. Na mente, um paraíso azul tépido. Na realidade, um spa que o dia de Inverno transformou num género de aquapark radical, num cabo das tormentas, chuva gelada cortante, vagas em água quente e nadadores salvadores de oleado com focos apontados aos “náufragos”, entusiasmados com a aventura, que nem o nosso guia, idas regulares à celestial lagoa azul, quis perder.

Laurent, francês, chegou à Islândia no Verão de 2005. Sentiu-se atraído pela “natureza” e 13 anos depois ainda conduz o Super Jeep, crepúsculo no horizonte, ao som de ambientes intermináveis (Sigur Rós e outras melodias celestiais). “Senti que era um bom sítio para estar”, confessou à Fugas num dos longos e confortáveis serões da estadia. Recorda que as pessoas eram “genuinamente felizes” no preciso momento em que, a 6 de Outubro de 2008, o primeiro ministro Geir Haarde deixou um “Deus abençoe a Islândia” segundos depois de apresentar ao mundo uma crise financeira sem precedentes e com ela o desmoronamento do sistema bancário, o colapso da economia do país.

Laurent Jegu trabalhava dia e noite como director técnico do Festival Internacional de Cinema de Reiquejavique cuja estreia aconteceu dois dias depois da “bomba” que deixou a capital a atirar iogurtes ao edifício do Parlamento até demitir o Governo. “De repente”, recorda, “assistimos a tudo na televisão como um filme de Hollywood”. A crise económica “afectou muitas pessoas”, mas Laurent, ditado islandês na ponta da língua, lembra que “no final tudo fica bem.” “A Islândia continua a ser um sítio para pessoas resilientes. A resiliência islandesa está no sangue”, diz. “As pessoas pareciam estar preparadas para algo como a crise. ‘Não interessa, é apenas dinheiro, coisas materiais'”. 

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Laurent Jegu é um aventureiro apaixonado pela natureza da Islândia Luís Octávio Costa

Depois das greves, “mentalidade positiva”. Depois de reescrita a Constituição, siga a Islândia. Depois de uma série de erupções no glaciar Eyjafjallajökull entre Março e Abril de 2010, venha de lá esse marketing vulcânico — e dois milhões de turistas por ano e uma perseguição memorável com dedo de James Bond e a Guerra dos Tronos e os Vikings de Ragnar Lothbrok e o Batman, a Lara Croft, o Star Wars e o Star Trek e os “nossos rapazes” (a surpreendente selecção islandesa de futebol)... Em 2015, o turismo ultrapassou o mercado da pesca. Continua a ser uma economia frágil. Mas o investimento crescente sente-se cada vez que nos aventuramos ao longo da estrada que une a ilha.

A ténue luz surge depois das 11h e esfuma-se antes das 15h30. Os dias são micro — nascem tarde e com o fim à vista. E o fim dos dias servirá para estender um mapa na mesa, abrir as aplicações mais fidedignas e, com a ajuda de uma colher, apontar o percurso ao longo dos “planetas” onde sonhamos aterrar e fotografar. O dia fotogénico será sempre curto? Cortamos nas “gorduras”, viajamos de noite, esticamos a luz — e prometemos a nós próprios voltar. Vamos explorando às escuras e vamos abrindo os olhos à medida que nos aproximamos dos nossos “monumentos”, paisagens inacreditáveis que valem mais do que mil fotografias partilhadas no Instagram. O cenário está “muito intocável”, admite, orgulhoso, Laurent, quase autóctone (guia actualmente ao serviço da Boutique DMC). “Ficamos sozinhos no mundo durante muitas, muitas horas. A civilização não chegou aqui e não chegará. As pessoas nunca poderão viver neste clima louco.”

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Um super jeep é quase indispensável no Inverno Luís Octávio Costa

Neste momento, a Islândia está a tentar contrariar a concentração de número de turistas na época alta, procurando distribui-los pelos doze meses do ano. Mas quem aqui vive acredita que a natureza se ocupará de manter o equilíbrio.

“Há um silêncio quase sempre presente”, registou Susana Ribeiro (Viaje Comigo). “Há um mês, estava eu em Deli, na Índia, onde há sempre muito barulho, buzinadelas e um frenesim de 23 milhões de pessoas… e, agora, num país com tantos habitantes como a minha cidade, há uma paz que nem se consegue explicar. Sente-se, apenas. E, quase intuitivamente, queremos aproveitar ao máximo esta comunhão com a natureza.”

A Islândia vai ser sempre uma road trip. Como diz Laurent, “temos de ir ter com a natureza, a natureza não vai ter contigo”. E ela, a natureza, manifesta-se violentamente. “Não estávamos a contar com condições tão agressivas”, confessou Salvador Sampaio, relações públicas da Samsung, que convidou dois bloguers de viagens para experimentarem as quatro câmaras do novo Galaxy A9 e tentarem fotografar auroras boreais, precisamente um dos temas (azul boreal) do novo equipamento da marca, que teve um teste de fogo na ilha de gelo — a reportagem da Fugas, capa incluída, tem dedo do A9. Alerta spoiler! “Só faltou vermos auroras boreais – a grande (e única) frustração da viagem”, escreveu Filipe Morato Gomes (Alma de Viajante).

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Jökulsárlón, hoje o lago mais profundo da Islândia Luís Octávio Costa

Deixamo-nos levar: pelos cursos de água fresca que se confundem com as estradas de terra preta, pelas lendas do Vale do Thor (e placas que parecem perdidas, enterradas há séculos) e pelas vistas contrastantes de oásis exuberantes, pelo rugir de rios glaciares em Stakkholtsgjá, pelas extensões negras do deserto e pelo musgo, pelos cumes irregulares e picos cobertos de gelo azulado que coroam o horizonte, pelas pistas que revelam cascatas (pequenas e recatadas, divas e avassaladoras; Gljufrabuí, Seljalandsfoss, Skogafoss...) e pelo vento que leva tudo na frente — e até leva as cascatas a desafiarem as leis da gravidade. 

Quatro noites e nenhum dia — e a ilha do fogo e do gelo que provoca as leis da natureza. E serões longos. Hadda trabalhava na indústria farmacêutica. O marido, Haukur, era fotógrafo. Originalmente queriam uma “casa de Verão ou um pequeno pedaço de terra” onde pudessem “construir algo”. Encontraram uma casa em Hrífunes, no meio do nada — ou no meio de tudo o que interessa —, entre dois dos maiores campos de lava do mundo, a meia hora das terras altas e a dois passos de Landmannalaugar, das crateras Laki e dos “monumentos” Jökulsárlón.

Em 2009, afectados pela crise, começaram uma agência de viagens especializada em tours fotográficos. “Arrastada pelo negócio”, Hadda deixou o trabalho em 2011 para gerir a guesthouse hoje com 13 quartos e “um bonito apartamento”. “Tínhamos dois quartos, depois quatro, seis, oito.. Ano após ano, com a entrada do dinheiro e o boom do turismo, fomos acrescentando dois quartos. O marketing surgiu naturalmente com os acontecimentos e graças a todas as fotografias bonitas que vão sendo partilhadas nas redes sociais”, reflecte Hadda, proprietária da “primeira casa na Islândia a ficar coberta de cinzas”.

“Ligámos para a Protecção Civil para informar que às 17h30 está escuro como breu. O vento soprava na nossa direcção e na direcção da Europa. Recebemos telefonemas de todo o mundo. O telefone não parava de tocar”, recorda. Bella estava em Reiquejavique e não sentiu directamente as erupções no glaciar Eyjafjallajökull.

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A Islândia é uma marca Luís Octávio Costa

Foi alertada por amigos europeus, presos em aeroportos. “Não havia muitos estrangeiros”, recorda a francesa que passa o primeiro Inverno em cinco anos de Islândia. “Os turistas só vinham na época alta, no Verão, e era um estilo diferente de turistas. No resto do ano, ninguém. Literalmente ninguém. Se viajássemos pelo país apenas víamos bombas de gasolina, onde podíamos comer um hotdog. É isso. Agora é óptimo, muito mais multicultural, mais bares, mais hotéis e restaurantes. Mudou muito nos últimos cinco anos. Muda todos os anos. Nota-se a gentrificação em esteróides”, descreve Bella. “Aconteceu tudo muito depressa e teve um impacto enorme nas pessoas.”

A Islândia é famosa. Uma marca. Estamos aqui. Inverno rigoroso. E, por incrível que pareça, só sabemos onde estamos porque vimos no foto-livro que conta a história desta imperdível Guesthouse Hrífunes. Estava escuro como breu quando chegámos. Estará escuro como breu quando voltarmos a atravessar os campos de lava — lindos nas páginas do livro com fotografias de Haukur. Aqui recarregaremos energias durante duas longas noites e dois longos serões preenchidos a editar fotos, a recordar dias curtos que podem ser ditos como epopeias e a dizer “takk fyrir síðast” ("obrigado pela última vez”, algo que os islandeses dizem quando cumprimentam alguém com quem passaram um bom momento no último encontro).

No Inverno islandês o tempo muda a cada segundo. “O tempo é terrorista”, avisa Laurent, mapas e alertas transformados em apps, que são as novas placas. É inevitável. O tempo muda à velocidade a que derretem os glaciares e se transforma a paisagem. “Menos dez graus é bom”, diz Snorri. “Menos vinte e estamos a beber cerveja num sítio quente”, completa este islandês de barba ruiva com o “trabalho sem fim” de planear e organizar visitas ao Vatnajökull e de manter as efémeras cavernas escavadas por cursos de água que correm em línguas de gelo como Breidamerkajökull. “Escavar degraus, prender cordas, alterar percursos, fazer portas, demolir partes perigosas...”, enumera este “mineiro” do glaciar. Snorri cresceu na região de Reiquejavique. Mudou-se para a zona há oito anos. “Vivo isolado, tenho três vizinhos. É muito livre. Não tenho de correr as cortinas quando vou do chuveiro até ao quarto.”

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Snorri num das suas efémeras grutas de gelo Luís Octávio Costa

Quem teve olho começou em 2002 estes tours nos glaciares, hoje uma ocupação para cerca de 20 empresas no Sudeste da Islândia, que normalmente partem da lagoa do glaciar junto à incrível praia dos diamantes, pedaços de gelo que chegam ao mar e voltam à areia preta empurrados pela força das ondas. “Há oito anos teríamos estacionado a meio quilómetro ou mais de distância do local onde estamos agora. No ano passado o glaciar estava onde nós estamos neste preciso momento. Aqui mesmo. Há uma alteração imensa todos os anos. E todos os glaciares se comportam de forma diferente. Há um glaciar aqui perto que recuou um quilómetro num ano. As mudanças são mesmo rápidas. Quando comecei a explorar, estacionava e caminhava 10/15 minutos para chegar ao glaciar; hoje esse é um percurso de 45 minutos. São oito anos de derretimento. Hoje estaciono onde existiam cavernas há três anos — estavam a começar as conversas sobre aquecimento global. Lembro-me que os mais velhos diziam sempre que não era um tema credível. Mas hoje... o que vejo é que o recuo dos glaciares é cada vez mais rápido. A aceleração... Nos últimos 20 anos os glaciares recuaram mais do que nos últimos 60.” Em média, dizem os estudos, os glaciares recuam 100 metros por ano e “emagrecem” 20 metros. “Dentro de 200 anos não há gelo na Islândia”, sentencia Snorri, espigões nas botas. “A Islândia é areia preta”, repete Laurent. Em breve outra Islândia estará à vista.

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A preparação antes de pisar o glaciar Luís Octávio Costa

Os “monumentos"

Lagoa Azul — A Lagoa Azul é um spa geotérmico artificial que fica a aproximadamente 20 quilómetros do Aeroporto Internacional de Keflavík e é uma das atracções mais visitadas da Islândia (também uma das poucas com bilheteira; entradas desde 49 euros com direito a toalha, máscara de lama e uma bebida). A piscina, formada em 1976 a partir da água usada na fábrica geotérmica de Svartsengi, encontra-se num campo de lava perto de Grindavík. Tornou-se popular no início dos anos 80 quando as suas características curativas passaram de boca em boca entre os locais. A empresa Blue Lagoon estabeleceu-se em 1992. A água, rica em minerais, encontra-se a cerca de 39 graus e é renovada a cada dois dias. É sem dúvida o local perfeito para relaxar depois de uma longa viagem de avião e antes de descobrir Reiquejavique.

Stakkholtsgjá — Com cerca de cem metros de profundidade e dois quilómetros de extensão, este desfiladeiro (que termina numa bonita cascata) é uma das muitas pérolas islandesas que não estão propriamente à face da estrada. Um dos encantos deste Stakkholtsgjá é precisamente o caminho que temos que percorrer desde que deixamos para trás o piso regular da Ring Road. À nossa frente, aninhado entre três glaciares (Mýrdalsjökull, Tindfjallajökull e Eyjafjallajökull, o pico que entrou em erupção em 2010, causando não apenas perturbações generalizadas no tráfego aéreo na Europa, mas principalmente a transformação radical da paisagem) mostra-se o imenso Vale do Thor, uma reserva natural que é um dos destinos de caminhadas mais populares do país, um vale que parece não ter fim com um pano de fundo de cadeias montanhosas entre os rios Krossá, Þröngá e Markarfljót. Quando o caminho estreitar e os riachos ficarem mais atrevidos, não desista.

Cascatas — Fazer uma lista das cascatas da Islândia é uma tarefa hercúlea — ou digna da mitologia nórdica. O planeta Islândia parece rasgado e incessantemente percorrido por medidas de água impossíveis de calcular. Por estar a dois passos da Ring Road (e a cerca de 130 quilómetros de Reiquejavique), Seljalandsfoss é uma das primeiras escolhas da maior parte dos visitantes, desejosos de ficarem do outro lado da queda de água, abrirem os braços e, ainda que a uns metros de distância, sentirem a força da queda de água de 60 metros. Exemplo da propagação de quedas de água é a tímida Gljufrabuí, a algumas centenas de metros da Seljalandsfoss e que vale a pena ser descoberta com alguma determinação. Não se deixem intimidar pelo curso de água na boca do desfiladeiro. Avancem com cuidado, pedra ante pedra, e sempre com calçado impermeável. Ao fundo, a gruta transforma-se numa espécie de altar grandioso. A 25 minutos de carro, e também junto à estrada principal, fica a majestosa Skogafoss, que, para além de ser a preferida da Fugas, é uma das visões mais importantes de Floki quando na quinta temporada da série Vikings descobre um novo mundo. Skogafoss transporta a água do rio Skógaá proveniente dos glaciares Eyjafjallajökull e Mýrdalsjökull. Vale a pena subir os degraus da escada que conduz ao topo da cascata e apreciar o cenário de outra perspectiva.

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A majestosa Skogafoss Luís Octávio Costa

Praia dos diamantes — Jökulsárlón é um lago glacial (ocupa uma área de 18 km quadrados e atinge uma profundidade máxima de 284 metros, hoje o lago mais profundo da Islândia) que recebe icebergues provenientes do glaciar Vatnajökull. Atravessa-se a ponte estreita, estaciona-se e emerge-se num universo único de formas irregulares e cores singulares. De um lado, o lago que apenas surgiu nos anos 30 e cujo tamanho tem “dilatado” ao longo dos anos devido ao derretimento dos glaciares — para filmar a famosa perseguição de carros no gelo em “007 - Morre Noutro Dia” foi necessário construir uma espécie de represa para travar o curso de água que conduz ao mar. Do outro, uma praia surrealista de areia escura onde descansam os pedaços de gelo arrastados pelas correntes como jóias pousadas num pano de veludo à espera de serem polidas. A cada hora do dia corresponde um espectáculo natural diferente. Essas planícies de areia são uma paisagem comum na Islândia, dada a acção vulcânica bem como a existência de inúmeras calotas polares. Tanto o lago glaciar como a famosa Diamond Beach são locais fantásticos, no entanto, a sua existência (e expansão) é infelizmente consequência directa das alterações climáticas. À velocidade a que os glaciares estão a derreter, pode não haver gelo dentro de algumas décadas.

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Praia dos Diamantes Luís Octávio Costa

Vatnajökull — É um glaciar, a maior massa de gelo da Islândia (com mais de oito mil quilómetros quadrados e uma espessura entre os 400 e os mil metros) e a segunda maior calota de gelo da Europa. Podemos pisá-lo depois de uma curta viagem de carro desde a Praia dos Diamantes e estaremos quase preparados para explorar uma superfície lunar e as suas cavernas — fica a faltar o equipamento certo (indispensáveis os espigões nas botas), um guia local experiente e um super jeep (com correntes de neve) daqueles que nos fazem sentir stormtroopers a explorar um planeta estranho. Existem várias cavernas de gelo rasgadas por cursos de água — exploradas e mantidas por agências locais. A Fugas teve o privilégio de descer a algumas de um azul translúcido em Breidamerkajökull, uma “língua” do glaciar principal que, aos poucos, também vai desaparecendo do mapa. Numa delas, em que os detritos de terra e lava se fundem com o gelo, os gomos que a formam assemelham-se a uma superfície alienígena.

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O glaciar que aos poucos vai desaparecendo Luís Octávio Costa

Fjádrárgljúfur — A formação rochosa data da Era do Gelo, há cerca de dois milhões de anos. Trata-se de um desfiladeiro de paredes íngremes com cerca de dois quilómetros e sensivelmente cem metros de profundidade que pode ser apreciado do topo (posto de observação) ou da base. O desfiladeiro encontra-se perto de Kirkjubæjarklaustur, vila pitoresca com cerca de 60 habitantes. 

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No topo de Fjádrárgljúfur Luís Octávio Costa

Hjörleifshöfði — Um desvio estratégico na Ring Road, a cerca de 15 quilómetros de Vik, conduz-nos ao cenário escolhido para as filmagens de Rogue One, inspirado na saga Guerra das Estrelas. Vulgar entre os locais, o cabo, que recebeu o nome do viking Hjörleifur Hróðmarsson, tornou-se mais apetecível aos turistas desde que foi cenário do filme de ficção científica que poucos efeitos especiais teve que usar para disfarçar o seu aspecto extraterrestre. As rochas gigantes que parecem ter aterrado nas planícies vulcânicas e as grutas recortadas nas montanhas escarpadas fazem deste local um cenário único. A não perder aquela a que já chama de Caverna de Yoda — quando lá chegarem perceberão porquê.

Reynisfjara — Com os seus enormes blocos de basalto e paisagem deslumbrante, Reynisfjara, ao lado da pequena vila de pescadores de Vík í Mýrdal, é amplamente considerado o mais belo exemplo de praias de areia preta na Islândia — em 1991, a National Geographic apontou-a como uma das dez melhores praias não tropicais a serem visitadas no planeta. Encontra-se a cerca de 190 quilómetros da capital e podemos lá chegar depois de conduzir mais ou menos duas horas e meia. De acordo com o folclore local, as grandes colunas de basalto já foram trolls que tentavam puxar navios do oceano para a costa e que foram surpreendidos pelo amanhecer que os transformou em pedra sólida.

Comer sandes ou comer baleia

Há quem faça a Ring Road (1332 quilómetros, mais desvio menos desvio) e no fim admita que não chegou a provar comida islandesa, que, por causa dos preços proibitivos passou a road trip quase a pão, água e junk food, igual em qualquer parte do mundo. Aqui, mais do que na maioria dos destinos, o orçamento faz toda a diferença no nosso prato. Esclarecido esse “pormenor”, há muito para experimentar pela estrada fora e principalmente em Reiquejavique, cujas cozinhas — cada vez mais numerosas — têm ganho toques de sofisticação nos últimos anos (restaurante in que é restaurante in apresenta a manteiga pousada numa pedra de lava).

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Batatas Hasselback Luís Octávio Costa

Hoje, os chefs colocam mais ênfase na importância dos produtos locais e na qualidade dos ingredientes disponíveis, aliando as receitas a um estilo contemporâneo. Os ingredientes mais comuns são o peixe (reza o ditado islandês: a vida é peixe salgado) e marisco, cordeiro e skyr (feito de leite fermentado, faz parte da culinária desde a Idade Média), aves marinhas, algas, ervas e bagas. Um orçamento mais folgado permite um ou dois desses caprichos. O primeiro chama-se Fish Company, portas abertas desde 2008, ano em que ocupou a adega do antigo edifício (1884). O interior foi decorado pelo designer Leif Welding e a comida é da responsabilidade de Lárus Gunnar Jónasson. Experimente por exemplo os medalhões de bacalhau com mel, couve-flor e olho de endro e molho de peixe. O segundo obrigatório é o Grillmarket, que se gaba de ter uma ligação privilegiada com produtores locais. O edifício, desenhado por Finnur Thorlacius, foi construído em 1920 e chegou a albergar a sala de cinema Nýja Bíó (Novo Cinema). São muitas as possibilidades apetecíveis no menu (degustação por 160 euros com selecção de vinhos incluída). A saber: Bacalhau ligeiramente salgado com puré de maçã grelhada, alho preto, salada de lagostim e creme de marisco; Salada de pato (acompanha com espinafres, mozzarella, vinagrete de menta e coentros, tangerinas e romãs); Truta do Ártico levemente fumada (com funcho em salmoura, pão de centeio, ovo de codorniz de Asgard e dressing de mostarda); Bife de baleia grelhada com wasabi e vinagrete de soja.

É verdade, a dieta islandesa inclui cavalo, rena e pelo menos duas espécies de baleia: Baleia anã (baleia-minke) e Baleia comum (baleia-fim). A entidade reguladora das pescas na Islândia estabelece uma quota de 200 baleias que podem ser pescadas por ano, mas o número nunca é atingido — em 2017 foram pescadas 170. O nosso terceiro must da Islândia passa pela mesa comunitária da guesthouse Hrífunes na estrada 209, a cerca de 230 quilómetros a este de Reiquejavique (entre as cidades de Vik e Kirkjubaejarklaustur).

Para além de um veículo 4x4 no Inverno, o único requisito para quem ali fica alojado é apetite. Aqui, ementa não entra — vai fluindo da cabeça de Hadda, a proprietária. Espalhada pela mesa, as entradas confundem-se com os pratos principais em regime self-service (ganso fumado, língua de vaca, pato, três tipos de arenque, truta do rio Tungufljot, salmão marinado em mel e mostarda, couves de Bruxelas com tâmaras e nozes, batatas Hasselback, creme de cogumelos silvestres e umas boas fatias de rugbraud caseiro — um pão escuro de centeio que os islandeses chamam de pão de trovão que tradicionalmente era cozido dentro de fontes termais, num processo que podia levar mais de 12 horas.

De volta ao planeta de um turista comedido, ficam algumas ideias para não dar o tempo por perdido, gastronomicamente falando, claro. Quando em road trip, qualquer chef que se preze leva consigo uma embalagem de flatkaka (espécie de pão sírio de centeio, ázimo, macio, redondo, fino e escuro) e algumas fatias de cordeiro fumado. Em alternativa, uma sanduíche de salmão fumado, biscoitos de aveia e uma embalagem de hardfiskur (peixe seco). Não esquecer uma garrafa para encher de água pelo caminho (a água da torneira é de óptima qualidade e gratuita; sempre que possível os locais usam a água dos riachos). Como recordação da viagem, e se sobrarem algumas coroas, abasteça-se de sal negro de lava e de chocolate — experimente os incríveis sabores e embalagens da Omnom.

A Fugas viajou a convite da Samsung Portugal

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