Os estudos são do século passado e continuam a ser citados, pelo menos para vender brinquedos sexuais: as mulheres atingem o orgasmo mais facilmente com a estimulação externa do que propriamente com a penetração. Mas, como dizê-lo ao companheiro? E como revelar-lhe que a relação poderá melhorar se se recorrer a um brinquedo sexual? Há duas coisas importantes, dizem os especialistas: conhecer o seu próprio corpo e falar abertamente sobre o assunto.
“Cada vez mais os homens estão atentos a uma estimulação que se não resume à penetração”, declara o psiquiatra e sexólogo Júlio Machado Vaz. No entanto, reconhece a sexóloga Vânia Beliz, não é fácil falar sobre o assunto: “Os homens sentem-se postos em causa.” A educadora sexual Carmo Gê Pereira lamenta que as mulheres continuem preocupadas com o “ego masculino”. “Temos uma pessoa frustrada [com a sua vida sexual], mas a sua preocupação não é consigo, mas com o machucar da masculinidade do outro”, critica.
Carmo Gê Pereira lembra que dentro da relação — seja ela em casal, heterossexual ou não, prolongada ou de uma noite — “quanto menos ego se puser, melhor”. É preciso dialogar, debater, discutir, se for o caso. “Temos de falar do nosso prazer”, sublinha.
Mas para falar há que conhecer o próprio corpo e isso, por si só, pode ser um entrave para as mulheres, ensinadas desde cedo a que não se mexe nos genitais, aponta Beliz. “Eu tenho de conhecer o meu corpo, saber do que gosto para conseguir transmitir ao meu parceiro”, explica.
E falar é reconhecer que a estimulação externa pode dar mais prazer que a penetração. “A estimulação clitoriana é mais eficaz, por ser o clítoris a zona eroticamente mais rica das mulheres e não a vagina”, explica Machado Vaz. Apesar disso, cerca de 30% das mulheres atinge o orgasmo sem estimulação clitoriana, salvaguarda Gê Pereira, citando de cor o Relatório Hite, um estudo sobre a sexualidade feminina, datado de 1978.
“Explica-se ao namorado que os preliminares valem por si e não constituem meros degraus para um coito visto como ‘a jóia da coroa’ do acto erótico”, resume Machado Vaz.
Ter “bravura” para falar
Assumamos que as mulheres conhecem o seu corpo. O problema seguinte é: como comunicar? “É importante que as pessoas falem sobre a própria relação, sem medo de magoar o outro ou com medo daquilo que o outro vai pensar porque o prazer sexual faz parte [da relação]. Há um encontro entre pessoas que têm objectivos partilhados e convém que se discuta o prazer sexual”, responde Gê Pereira, acrescentando que o seu “maior trabalho” é ensinar as pessoas a falar e reconhecendo que tal “exige bravura”.
Contudo, Vânia Beliz alerta que nem sempre a conversa corre pelo melhor: “Há homens que não se sentem bem quando as mulheres se estimulam, quando usam um brinquedo sexual ou o querem usar na relação.”
Para Elsa Viegas, criadora da marca de acessórios Bijoux Indiscrets, sediada em Barcelona — que recentemente esteve em Lisboa para apresentar a gama Horoscope, 12 kits para os signos do zodíaco com um vibrador externo —, as mulheres não podem “deixar nas mãos de ninguém” o seu bem-estar, embora reconheça que o “prazer é um tema difícil”, sobretudo quando passa por falar de masturbação feminina.
“Nos primeiros encontros, dizemos do que gostamos, contamos histórias da nossa infância, experiências passadas... e a parte sexual?”, pergunta Carmo Gê Pereira. “Tem de haver bom senso na forma como se comunica, a mulher não chega e diz como é o seu manual de instruções, mas deve falar porque é melhor para a relação do que estar insatisfeita e mentir”, responde Vânia Beliz, sugerindo que “o brinquedo sexual deve ser conversado. É um mito pensar que o vibrador só serve para as mulheres, os homens também gostam, mas receiam que se possa pensar que são homossexuais e, às vezes, têm vergonha de dizer às parceiras”.
Não é substituto para o mau sexo
O psiquiatra Machado Vaz reconhece que ninguém conhece tão bem o seu corpo como a mulher, logo, o uso de um vibrador tem “eficácia fisiológica”. “Fisiológica... Ou seja: se os factores relacionais não interviessem, talvez todos nós preferíssemos a masturbação ao acto erótico a dois”, estima. O especialista recusa a ideia de que o sexo com brinquedos se reduza a um acto performativo, sem espontaneidade: “Se os membros do casal o vêem [ao brinquedo] como mais uma fonte de prazer na relação, não há razão para que ela se torne num exercício de mera estimulação fisiológica. Basta ver a maior frequência com que casais visitam feiras eróticas para nos apercebermos da mudança de mentalidades.”
Um brinquedo sexual não deve ser usado como “substituto de mau sexo” ou em lugar de um parceiro, considera Beliz. “Uma pessoa que desiste de uma relação por isso [um vibrador], é porque a relação não tinha conteúdo. As motivações para o sexo não são só o libertar da tensão ou o prazer, é também a comunicação”, argumenta Carmo Gê Pereira.
“Se podemos ter tudo, porque temos de escolher? Não há um imperativo”, continua, informando que o mercado dos brinquedos sexuais tem vindo a crescer e existem objectos para casais que podem ser usados à distância, por exemplo, ele usa um masturbador e ela um vibrador e cada um, a partir de uma app, pode estimular o outro. “São facilitadores de prazer”, define. “Se usamos aplicações e gadgets na nossa vida, porque não usamos a tecnologia? Esta é facilitadora de experiências. Como dizia Arthur C. Clarke [escritor de ficção científica]: ‘Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia’.”