Gonçalo Vieira: “Têm-se observado mudanças rapidíssimas no Árctico”
Especialista em permafrost, solo que se mantém sempre congelado, há anos que Gonçalo Vieira investiga o que se passa nas regiões polares.
Coordenador do Programa Polar Português (Propolar), o geógrafo físico Gonçalo Vieira estará de partida para a Antárctida em Fevereiro, para investigar o permafrost na ilha do Rei Jorge, na Península Antárctica. É a oitava campanha do Propolar na Antárctida — que inclui, entre outros, estudos sobre pinguins e peixes antárcticos —, com início em Janeiro e indo até Março. O Propolar também tem um projecto sobre o permafrost no Árctico canadiano, trabalhando com as comunidades indígenas para reduzir a exposição ao risco.
Além de danos nas infra-estruturas, o degelo do permafrost liberta metano para a atmosfera. Até que ponto esse metano pode ser um problema grave para reforçar ainda mais as alterações climáticas?
O solo, ao descongelar, vai fazer com que a matéria orgânica nele contida fique disponível para ser decomposta por micro-organismos, processo que vai gerar metano, mas também dióxido de carbono, dois gases de efeito de estufa importantes. Há ainda incerteza em relação aos impactos no sistema climático deste incremento nos fluxos de metano e dióxido de carbono, pois, além de ser necessária uma caracterização detalhada da matéria orgânica no permafrost, é também necessário compreender melhor se essa degradação vai ocorrer em ambientes aeróbicos ou anaeróbicos. Isso vai determinar qual dos gases vai ser mais produzido e em que percentagem. Por outro lado, é preciso também ponderar o efeito do aquecimento na vegetação da Terra, em particular nas regiões boreais, uma vez que a vegetação funciona como um sumidouro de carbono. Os dados indicam que o resultado será um aumento dos fluxos de carbono para a atmosfera e, consequentemente, um aumento do aquecimento ainda maior.
Como especialista em permafrost com projectos científicos nas regiões polares, que resultados a sua equipa e outras equipas têm obtido para a Antárctida sobre o solo sempre congelado?
A Antárctida está ainda pouco estudada no que respeita ao permafrost, porque é mais remota e de muito mais difícil acesso do que o Árctico, além de que tem também menos áreas com permafrost, pois está praticamente toda coberta por gelo glaciário. Na região Norte da Península Antárctica, onde trabalhamos, depois de um aquecimento acentuado até final do século passado, a primeira década deste século conheceu um ligeiro arrefecimento no solo, provavelmente associado a fenómenos locais, como foi o caso do aumento da queda de neve. Nos últimos anos, as temperaturas parecem estar a voltar a aumentar. Ainda temos poucos dados, mas os efeitos do aquecimento parecem estar a fazer-se sentir novamente. Contudo, noutras áreas da Antárctida, o permafrost está também a aquecer, embora os registos sejam ainda relativamente esparsos e os seus impactos pouco conhecidos. Contudo, é sabido, que as consequências se farão sentir essencialmente a nível local ou regional, para os ecossistemas, mas também para as infra-estruturas instaladas nas regiões onde a temperatura é mais elevada. Para o sistema climático global, o permafrost antárctico terá um impacto reduzido quer pela área restrita que ocupa quer pelo pequeno conteúdo do solo em matéria orgânica.
E o que se está a observar no Árctico?
Têm-se observado essencialmente mudanças rapidíssimas no Árctico, onde há mecanismos de retroacção complexos e que amplificam o efeito do aquecimento, com consequências rápidas na criosfera. Por exemplo, a fusão do permafrost em regiões com sedimentos não consolidados e, em especial, quando o permafrost tem um elevado teor de gelo, causa mudanças profundas nos ecossistemas, com aumento da erosão e colapso do terreno, formação de lagos e alterações muito significativas nos fluxos biogeoquímicos.
Tem um projecto de investigação no Árctico sobre permafrost em que há a ideia de colaborar com uma aldeia inuit. Qual é o objectivo deste projecto?
Estamos envolvidos num projecto em que estudamos a erosão em costas com permafrost, em particular no mar de Beaufort no Noroeste do Canadá. O estudo incide em áreas sem infra-estruturas, mas também em áreas urbanas, como é o caso de Tuktoyaktuk, uma pequena vila muito exposta à crescente erosão costeira, resultado de um oceano Árctico com uma estação sem gelo cada vez mais longa, mas também com águas mais quentes, ao que acresce o aquecimento atmosférico. Interessa-nos aí quantificar a erosão, mas também estamos a trabalhar com as comunidades indígenas e locais para melhor conhecer a dinâmica litoral e reduzir a exposição ao risco.
O que pode ainda fazer-se para combater o degelo do permafrost e, indo descongelar, para minimizar os seus efeitos?
Para combatermos o degelo, devemos tomar medidas urgentes para reduzir a nossa pegada no ciclo do carbono. Basicamente, as medidas de descarbonização da economia, que são do conhecimento geral. Para minimizar os efeitos, a única possibilidade relaciona-se com os efeitos imediatos sobre as infra-estruturas, porque, de resto, os efeitos são tão amplos que não há minimização possível. Para as infra-estruturas, há medidas ao nível da engenharia que se podem tomar, mas o problema é o custo extremamente elevado. Eu diria que é preciso planear à escala local e definir prioridades de intervenção, não esquecendo que muitas infra-estruturas são potencialmente causadoras de grandes impactos ambientais, como é o caso dos oleodutos.
Quais as suas expectativas para esta conferência do clima na ONU na Polónia e, de forma mais geral, para o combate às alterações climáticas?
Gostaria que encontrássemos e aplicássemos medidas políticas sérias e fortes que mudassem o nosso impacto no planeta. Infelizmente, o modelo existente baseia-se na constante e crescente exploração dos recursos naturais. A nível ambiental, preocupa-me não só o impacto que temos no clima mas também na biodiversidade, a exploração excessiva dos solos e os fenómenos de contaminação antropogénica.