Tribunal de Contas alerta para risco de fraude fiscal com viagens de deputados
Parecer sobre as contas da Assembleia da República será divulgado hoje, mas foi já antecipado pelo jornal i.
Num parecer que deverá ser publicado esta terça-feira, o Tribunal de Contas alerta para a possibilidade de fraude fiscal com as viagens pagas aos parlamentares das ilhas por falta de fiscalização. O mesmo documento entende ainda que os deputados têm direito a um seguro de saúde ilegalmente.
A posição do Tribunal de Contas (TdC) é antecipada pelo jornal i, no dia em que o Conselho de Administração da Assembleia da República se reúne de emergência e em que Ferro Rodrigues convocou uma conferência de líderes extraordinária "para tentar minimizar o impacto público das conclusões" do documento.
O TdC alerta para o facto de os deputados, além de terem acesso à ADSE - sistema de protecção social da função pública - e a um gabinete médico e de enfermagem no Parlamento, usufruírem de um seguro de saúde, o que segundo o tribunal é ilegal.
Segundo o jornal i, em 2007 a Lei do Orçamento do Estado passou a impedir "quaisquer financiamentos públicos de sistemas particulares de protecção social ou de cuidados de saúde", sendo que os juízes do TdC consideram que "os seguros de saúde estão abrangidos por esta norma".
"Os juízes do TdC avisam que a lei de valor reforçado ainda está em vigor, mantendo-se a proibição de orçamentos e entidades que integrem os sectores das administrações públicas financiarem seguros de saúde", escreve o jornal.
Por isso - acrescenta, o TdC remata: "o seguro deveria já ter cessado" e "carece de adequada legitimação jurídica para ser mantido em vigor".
O mesmo entendimento tem a procuradora-geral-adjunta do Ministério Público junto do TdC, que sublinha no parecer da auditoria do Ministério Público que as despesas da Assembleia da República (AR) "estão sujeitas aos princípios da legalidade, regularidade, economia, eficácia e eficiência", frisando que o seguro de saúde "viola a lei".
Outro dos alertas do TdC relativamente às contas da AR vai para a falta de controlo nas viagens dos deputados das ilhas, considerando os juízes que há "risco elevado" de terem sido pagas viagens que não foram realizadas e que estas situações são "insusceptíveis de serem detectadas".
Além da falta de controlo das viagens, o TdC alerta para o risco de fraude fiscal por parte dos deputados, chamando a atenção de que os registos biográficos dos deputados estão desactualizados.
Entre estes dados estão, por exemplo, os documentos de identificação fora de validade e a informação sobre dependentes e "pode estar ainda a morada de residência", através da qual se calcula a distância até à AR para definir o valor do subsídio semanal para as viagens.
Os juízes do TdC querem ainda que o Parlamento cumpra o proposto pela Subcomissão de Ética e reduza o valor fixado para as ajudas de custo das viagens dos deputados da Madeira e dos Açores.
O TdC entende que "deve ser revisto o mecanismo de controlo das viagens e que o valor pago semanalmente aos deputados com residência na Madeira ou nos Açores tenha em conta o subsídio social de mobilidade pago pela Estado, através do qual os cidadãos das ilhas recebem o reembolso do valor pago pelo bilhete de avião", escreve o jornal.
O regime jurídico do Parlamento prevê que todos os deputados da Madeira e dos Açores recebam por semana um subsídio fixo de 500 euros para suportar uma viagem de avião às ilhas.
Esta compensação é devida mesmo que os deputados não viajem e é paga sem exigência de comprovativos, escreve o jornal, acrescentando que, no total, em 2017 o Parlamento pagou 3,1 milhões de euros, segundo a auditoria do TdC, enviada na terça-feira ao presidente da AR e para o Conselho de Administração do Parlamento.
TC nega situação de descontrolo
O presidente do Tribunal de Contas (TC) já fez, porém, questão de “deixar claro”, nesta quarta-feira, “que não há nenhuma situação de descontrolo” nas contas da Assembleia da República (AR). “Não é isso que o tribunal diz no seu parecer”, alertou Vítor Caldeira, em declarações aos jornalistas, admitindo, no entanto, a existência de “aspectos que podem e devem ser melhorados”, relacionados “com o controlo interno de aspectos de gestão quotidiana”, como as moradas dos deputados, por exemplo.
Aos jornalistas, o presidente daquela instituição tentou desdramatizar a situação e a análise que está no parecer. “O parecer do TC sobre a conta de 2017 da AR, sobre a conta gerência da AR, é um parecer que emite uma opinião favorável sobre as contas que foram prestadas. Isto quer dizer que, do ponto de vista do tribunal, essas contas reflectem de forma fiel e verdadeira a situação no final do exercício de 2017”, disse, admitindo, contudo, que o tribunal colocou “uma ênfase” na questão das despesas com deslocações dos deputados. No fundo, explicou, o que o TC quer é ter a certeza de que aquela despesa “foi efectivamente realizada para os fins a que se destinava”.
“O tribunal chama a atenção para essa circunstância e, sobretudo, recomenda à AR, através do seu presidente, que reveja a resolução da AR que disciplina o reembolso dessas despesas. Porque a questão que está em causa são montantes que são atribuídos aos senhores deputados, com toda a legitimidade e legalidade, só que não são prestadas contas desses montantes”, afirmou, frisando que o TC recomenda à AR “que encontre soluções que permitam ao tribunal ter evidência da realização dessas despesas” e sublinhando que a recomendação do TC sobre as deslocações dos deputados das regiões autónomas vai “no sentido do que é proposto pela subcomissão de ética nessa matéria”.
Apesar da leitura mais positiva que Vítor Caldeira tenta fazer das conclusões do parecer, há ainda outra matéria para o qual o TC chamou a atenção: “Na questão do seguro de saúde, o tribunal considera que não existe base legal para que esse seguro exista e recomenda que a matéria seja equacionada e revista pela AR”, afirmou.
O documento do TC já foi entregue ao presidente da AR que “acolheu” as “recomendações de forma positiva”, contou ainda Vítor Caldeira. “Penso que a AR irá tomar as medidas necessárias e terá em conta as recomendações do tribunal, seguramente para que seja uma instituição, como é, exemplar”, defendeu, garantindo que o TC “continuará a acompanhar se as recomendações são, de facto, levadas a efeito”, mas ressalvando que estas recomendações, feitas em Dezembro de 2018, não estarão ainda acauteladas quando o TC, no próximo ano, se debruçar sobre as contas de 2018 da AR. Com Maria João Lopes