A luta dos designers por se manterem no mundo da moda
O que é o mais difícil para os designers: entrar ou manter-se no mundo da moda? O PÚBLICO foi à procura de respostas no Portugal Fashion que começou nesta quinta-feira no Porto.
Não é fácil começar, reconhecem muitos dos jovens designers que apresentaram o seu trabalho no primeiro dia da 43.ª edição do Portugal Fashion, que regressou ao edifício da Alfândega do Porto, nesta quinta-feira. O PÚBLICO quis saber o que é mais difícil para aqueles que começam a dar os primeiros passos no mundo da moda: para os mais jovens a maior dificuldade é entrar, porque é difícil levar as colecções aos desfiles sem apoio ou patrocínio, dizem; para os mais velhos, o difícil é fazer uma carreira.
“O difícil é manter-se no mercado por causa do grande investimento que exige. Demora anos até se ter projecção”, responde Maria Gambina, que apresenta nesta sexta-feira os seus coordenados depois de cinco anos afastada das passerelles, e que esteve dedicada ao ensino. Aliás, a designer já foi professora de muitos dos jovens que neste final de semana apresentaram as suas colecções. E é com “orgulho” que os vê com “garra, a darem tudo por tudo para fazerem um bom trabalho, a dedicarem-se de corpo e alma”, diz. Os exemplos são Rita Sá e Maria Meira, que apresentaram o seu trabalho na quinta-feira, e David Catalán e Inês Torcato que o fazem nesta sexta-feira. “Quando acabam o curso são muito novos. Têm de mostrar logo que trazem algo de novo porque não vão brincar às passerelles”. Gambina também foi professora de Nuno Gama e de Katty Xiomara, designers já consagrados.
“Ou têm um grande apoio monetário da parte da família ou arranjam parceiros e patrocínios. Ou então é muito difícil, porque não é brincadeira nenhuma”, continua Gambina. Mais, realça, “as pessoas nem imaginam o enorme investimento que é preciso para levar uma colecção a um desfile de moda. Dez coordenados, por exemplo, nunca ficam por menos de 2500 euros”. Além disso, o designer tem um conjunto de tarefas a desenvolver até chegar ao desfile. Primeiro, há que ser criativo e inovador a desenhar. Depois, decidir quais as peças que quer e procurar materiais. Há ainda o croqui técnico para que as costureiras percebam a peça. Depois a prototipagem e a confecção.
“É muito difícil ser uma jovem designer, porque há muito investimento antes de termos retorno. Tenho os meus patrocinadores que me ajudam”, confessa a jovem designer Rita Sá. Estreou-se na quinta-feira, no Portugal Fashion, na plataforma Bloom, depois de ter sido nomeada finalista do concurso Rebelpin, organizado pela ACTE – European Textile Collectivities Association. Também ganhou o prémio na Moda Lisboa deste ano, e o prémio Fashionclash que a levou a apresentar coordenados na Holanda. Já tem peças à venda numa loja do Porto. Mesmo assim, desabafa que é muito o cansaço de ter de fazer tudo. “Temos uma equipa concentrada numa pessoa que somos nós próprios”, justifica, enquanto mostra os coordenados inspirados numa história de um miúdo que sai da escola e caminha para a paragem.
Também Maria Meira, vencedora do Bloom de Março deste ano, juntamente com Mara Flora, acredita que esta plataforma abriu-lhe portas para fazer desfiles e trabalhar com agências e revistas. Na quinta-feira estreou-se nas passerelles com uma colecção em preto e branco, inspirada na artista plástica Yellin. Mas sabe que não é fácil vingar na moda sem ajuda dos pais e de outras pessoas. “É tentar economizar ao máximo, porque estamos no início. É difícil e é preciso muita força de vontade”, desabafa.
Já Joana Braga que levou uma colecção inspirada num filme de Eric Rohmer, tenta arranjar parcerias com empresas. Mas ainda gastou algum dinheiro nos tecidos para confeccionar as peças, refere. O ter vencido o concurso jovens criadores PFN abriu-lhe portas no mundo da moda.
“Não é fácil começar, há muitas condicionantes como: o que é o negócio da moda, como gerir a marca, entrar no mercado de venda e todo esse processo acaba por ser lento”, responde Paulo Cravo, coordenador do Bloom, uma plataforma que existe há oito anos com o intuito de ajudar os novos designers.
É “difícil ter empresas sustentáveis”
Para quem já tem tarimba no mercado como a designer Susana Bettencourt “não são as primeiras colecções que custam. Como se diz na sorte ao jogo, pode haver sorte de principiante”. No seu caso, foi mais fácil entrar no Portugal Fashion, porque já tinha construído carreira fora de Portugal. “Fui uma afortunada porque já tinha algumas conquistas em Londres e vim para Portugal depois”, recorda. Mesmo assim, defende, “o difícil é conseguir manter-se no mundo da moda e ter empresas sustentáveis”. Como a que a criadora quer ter com “uma equipa com ordenados e que esteja contente no seu local de trabalho”. Na prática, continua, “não é só o desfile e as roupas que fazemos; quero também ter orgulho na empresa que criei e isso requer muito esforço e, a nível de gestão, uma ginástica muito grande”.
No próximo ano, Susana Bettencourt quer abrir loja em Guimarães. Por enquanto, só tem mais uma pessoa a trabalhar consigo e depois tudo funciona através de parcerias. “É a forma que temos de nos ajustar aos desafios que vamos tendo”, diz. Só assim foi possível levar, na quinta-feira, à passerelle a sua nova colecção Resilient individuality que também lhe lembra o quanto a sua “equipa é resiliente por causa do esforço e batalha no trabalho”. Apresentou uma colecção inclusiva e inspirada em todas as culturas pela experiências de vida, viagens. “As pessoas são uma fusão de culturas. Temos desde uma tenista até uma mulher mais tribal, selvagem”, explica a criadora. Ao todo são 35 coordenados em tons diferentes do habitual e feitos de tecidos jacquard. À medida que se assiste ao desfile, desenrola-se uma história contada pelas cores e padrões, desde o mais tribal com os motivos e estampados até ao citadino com mistura de caras e máscaras africanas que não estão bem visíveis e é para cada um descobrir. A grande novidade foram os fatos de banho. “Queria vestir a praia, o ténis, a mulher trabalhadora, a mulher que corre de um lado para o outro”, explica.
Também Carla Pontes, que cresceu no seio do negócio têxtil da família, diz que “o mais difícil é manter e tornar a marca num negócio e sustentável”. Mas tem conseguido com peças suas à venda em várias lojas do Porto e de Lisboa. A participação em feiras internacionais também ajuda. Mas o impulso que teve foi quando ganhou o concurso de design do Portugal Fashion que lhe permitiu apresentar a sua primeira colecção, em 2012, na plataforma Bloom.
A designer já participa há 13 edições no Portugal Fashion e nesta quinta-feira levou ao desfile 31 coordenados da colecção "Corpo", para a Primavera/Verão 2019. Inspirou-se no pintor austríaco Egon Schiele para trabalhar a pele e as suas imperfeições, como estrias e cicatrizes e de que forma estas são bonitas.