O debate sobre a pobreza "adormeceu" mas a situação continua preocupante

Como houve nos "últimos dois, três anos alguma recuperação dos principais efeitos da crise em termos de indicadores de pobreza", isso "adormeceu" a necessidade de discutir esta questão, diz o investigador Carlos Farinha Rodrigues.

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FERNANDO VELUDO / NFACTOS

Portugal mantém uma situação de pobreza e exclusão social preocupantes, considera o professor e investigador Carlos Farinha Rodrigues, segundo o qual as melhorias económicas ainda não foram suficientes. De acordo com o Eurostat, cerca de um quarto da população portuguesa (23,3%) está “em risco de pobreza ou exclusão”.

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala nesta quarta-feira, e que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou para voltar a sublinhar que é preciso uma estratégia autónoma de combate à pobreza, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) afirmou estar preocupado por as questões da pobreza terem passado para "um estágio secundário".

Carlos Farinha Rodrigues apontou que, como houve nos "últimos dois, três anos alguma recuperação dos principais efeitos da crise em termos de indicadores de pobreza", isso como que "adormeceu" a necessidade de discutir esta questão.

"Apesar das melhorias significativas que se verificaram nos últimos anos, continuamos a ter uma situação de pobreza e exclusão social e de desigualdade social que é extremamente preocupante", defendeu este investigador com profundo trabalho sobre o tema.

De acordo com o especialista, apesar das melhorias económicas, Portugal ainda não conseguiu regressar aos valores registados antes da crise de 2008, altura em que a taxa de risco pobreza se situava nos 17,9%, 0,4 pontos percentuais abaixo dos 18,3% registados em 2016, e que significam mais de 1,8 milhões de pessoas em risco de pobreza. A taxa de risco de pobreza representa a percentagem da população que vive com rendimentos abaixo do limiar de pobreza.

Já a taxa de “risco de pobreza ou exclusão social”, frequentemente usada pelo Eurostat, define quem está em risco de pobreza monetária (pessoas que vivem com um rendimento abaixo do que em cada país é definido como o limiar de pobreza) ou quem vive em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida (poucas horas de trabalho) ou ainda quem se encontra em situação de privação material severa (situações em que não existe acesso a um conjunto de bens, que incluem, por exemplo, aquecimento adequado da casa, capacidade de pagar a renda atempadamente, de ter uma refeição com carne, peixe ou equivalente de dois em dois dias, pagar uma semana de férias). As pessoas que estão em “risco de pobreza ou exclusão social” podem viver uma ou mais destas formas de pobreza.

Farinha Rodrigues explicou que houve "um agravamento muito grande" dos principais indicadores da pobreza durante a crise económica, sobretudo até 2013, tendência que se começou a reverter a partir de 2014. "Os últimos resultados conhecidos referem-se a 2016 e esses resultados foram simultaneamente promissores e com factores de preocupação", apontou, explicando que foram promissores porque houve uma "forte repressão na taxa de pobreza das crianças e jovens", "alguma redução" na taxa de privação material severa e uma redução ligeira na taxa global de pobreza.

Por outro lado, os factores de preocupação têm a ver com o facto de a taxa de pobreza ainda não se ter reduzido para valores anteriores à crise económica.

"Há sinais promissores, que indicam que, desde 2014, com particular incidência em 2016, houve uma melhoria dos indicadores, mas isso ainda não é suficiente", defendeu, acrescentando que é em períodos de "ligeira recuperação" que se deve olhar com atenção para questões como a pobreza.

Nesse sentido, sublinhou que Portugal continua com uma taxa de pobreza "muito elevada no contexto europeu", à qual se juntam "factores de preocupação" como uma taxa de pobreza superior a 11% entre as pessoas que trabalham.

Defendeu que o país precisa urgentemente de uma estratégia nacional de combate à pobreza, que tenha em conta as políticas sociais, mas também as políticas económicas de uma maneira geral, bem como as questões da saúde ou da educação.

"É esta visão de conjunto que eu continuo a achar que falta no nosso país", concluiu.