A paragem brusca, por reforma, é "um desperdício brutal"
Metade dos miúdos que nascem hoje em dia nunca terão um irmão, sublinha a autora do ensaio Envelhecimento e Políticas de Saúde.
O envelhecimento não diz respeito apenas aos mais idosos, diz Teresa Rodrigues, professora no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, autora do ensaio Envelhecimento e Políticas de Saúde, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou esta semana. Portugal está, aliás, a assistir a um triplo envelhecimento, o que resulta da falta de jovens e é causado pela quebra da natalidade (o envelhecimento da base), o que decorre do aumento da idade média da população, e o que é provocado pelo crescimento do topo da pirâmide etária, explica.
Lembra que Portugal é o sexto país mais envelhecido do mundo e metade das crianças que nascem hoje não terá um irmão. Mesmo assim, defende que se devem evitar discursos pessimistas. Porquê?
Temos uma certeza incontornável: o facto de o nosso país figurar entre os países mais envelhecidos do mundo também se traduz nos ganhos que foram obtidos em termos de saúde — somos o oitavo país do mundo com a maior esperança de vida. Esta questão tem que ver com o triplo envelhecimento porque resulta de três coisas que estão a acontecer em simultâneo na sociedade portuguesa: o envelhecimento provocado pela falta de jovens [o envelhecimento da base], o envelhecimento provocado pelo aumento da idade média da população, e o envelhecimento causado pelo facto de as pessoas viverem até mais tarde [o do topo]. Temos muitos idosos e, sobretudo, muitos idosos com muita idade.
Como é que podemos lidar com este fenómeno?
Enquanto cidadãos, não podemos imputar todos os deveres ao Estado, temos de ser mais proactivos.
Uma população com melhores níveis de educação pode reduzir a pressão [sobre o sistema de saúde] adoptando comportamentos de menor risco e com uma utilização mais racional dos meios e equipamentos para a saúde disponíveis. Agora, também é preciso haver um esforço, uma tentativa de criar condições para democratizar a saúde do ponto de vista regional. Continuamos a ter em Portugal muitas diferenças no acesso à saúde. É tudo muito centralizado, não há sensibilidade regional. A questão da flexibilidade das medidas de saúde para potenciar um igual acesso aos serviços e à prestação de cuidados a populações muito diferentes é eventualmente o maior desafio. E isto é algo que exige uma mudança de paradigma.
O envelhecimento tem sido muito rápido em Portugal. Recorda no livro que somos um dos dez países do mundo que mais perderam população desde 2010. Não perdemos já demasiado tempo para nos prepararmos devidamente para o impacto deste fenómeno?
Se formos menos, a pressão sobre o sistema de saúde também será menor. Há aqui uma margem positiva por sermos menos, por exemplo se estivermos a lidar com pessoas que conseguem despistar uma doença complicada mais cedo. Porque as atitudes preventivas esmagam parte das despesas. Há aqui uma janela de oportunidade porque está provado que é nos dois últimos anos de vida que as pessoas têm maiores gastos com a saúde. Portanto, se estamos a assistir a um aumento da esperança de vida, estamos a arrastar esses gastos durante algum tempo, o que nos dá alguma margem de manobra para nos podermos ir ajustando à realidade e esperar também que os comportamentos individuais mudem.
Mas como é que os jovens vão adoptar este tipo de comportamentos, quando lhe é tão difícil imaginarem-se na velhice?
Eu digo aos meus alunos: vocês fazem parte do envelhecimento. Lembro-lhes que já quase nenhum deles tem mais do que um irmão. Metade dos miúdos que nascem hoje em dia nunca terá um irmão. Estamos com uma descendência média de 1,2. A imigração pode mitigar [este fenómeno] mas não [o] resolve, a população idosa continuará a aumentar.
O que quer dizer quando fala em "soft power" dos idosos?
Os idosos têm em si um poder que remete para a sua capacidade de consumo, a forma como vão poder até cada vez mais tarde desempenhar certo tipo de tarefas, por exemplo no apoio aos netos, em associações, em empregos em part-time e em determinado tipo de funções que até podem contribuir para garantir a sua autonomia física, porque estão nos jardins a evitar que alguém deite papéis ao chão, porque estão num museu ou vão a uma escola... São pequenas actividades que garantem um envelhecimento saudável. Os idosos contribuem também para as indústrias farmacêuticas, de lazer, de turismo, de restauração, lêem, vão cinema e ao teatro, têm outro tipo de exigências.
Propõe, aliás, que apenas as pessoas a partir dos 75 anos sejam consideradas idosas. Isso significa que a reforma, nos padrões actuais, por limite de idade, devia ser repensada?
A paragem brusca [que a reforma implica] é um desperdício brutal. A diferença entre actividade e inactividade não deveria ser medida por datas de nascimento mas sim pelas limitações físicas das pessoas.
Mas os mais jovens temem que o arrastar da saída dos mais velhos possa travar a sua entrada no mercado de trabalho.
Os idosos não vão tirar o lugar aos mais novos, porque as competências não são iguais, não podem desempenhar o mesmo tipo de tarefas, e até porque não precisam, uma vez que têm algum rendimento. Também haverá cada vez menos jovens [no futuro], portanto, a [actual] pressão do desemprego acabará por se resolver.
Face a este envelhecimento acelerado, é preciso alterar, com urgência, as políticas de saúde?
Sim, temos cuidados curativos, profilácticos, mas o problema são os cuidados de continuidade, que são os mais complicados porque as famílias continuarão a diminuir e vão ser cada vez mais complexas. A dada altura, temos um casal com um filho e com quatro pais e ainda com duas bisavós. O casal, que é o único activo, está a ser pressionado por todos os lados. Por isso, são necessários cuidados continuados para apoiar às famílias. Os cuidados domiciliários devem ser uma aposta urgente.
Ouça a entrevista completa no programa Com Tempo e Alma: