Descoberta embarcação do século XVII nas águas de Cabo Verde

Arqueólogos e outros investigadores portugueses e cabo-verdianos estão a trabalhar em conjunto na ilha de Santiago. Projecto com financiamento da União Europeia quer, entre outras coisas, conhecer melhor o fundo do mar ao largo da Cidade Velha, património mundial e cemitério de navios.

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Um dos focos da investigação é a baía da Cidade Velha evr Enric Vives-Rubio

Os vestígios de uma embarcação do século XVII nas águas da baía da Cidade Velha, em Cabo Verde, estão entre o "material fabuloso" que investigadores cabo-verdianos e portugueses identificaram e estão a catalogar.

A recolha de informação faz parte da segunda fase da iniciativa Concha, um projecto de arqueologia subaquática da Cátedra UNESCO — O Património Cultural dos Oceanos, financiado pela União Europeia e que envolve vários países.

A equipa, composta por especialistas do Instituto do Património Cultural (IPC) cabo-verdiano, de uma empresa de arqueologia francesa e da Universidade Nova (Portugal), começou este mês esta segunda fase no Ilhéu de Santa Maria e em torno dos vestígios do navio Urânia, seguindo-se trabalhos na baía de São Francisco, ambos na cidade da Praia, ilha de Santiago.

Há alguns dias que os mergulhos têm sido feitos no fundeadouro da Cidade Velha — património da UNESCO [sigla em inglês da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura] desde 2009 — onde os especialistas puderam confirmar a existência de um cemitério de âncoras e ainda parte de uma embarcação, há muito conhecida como o "navio de madeira".

"Não existia, até agora, nenhum trabalho de cartografia arqueológica nesta área. Ouvimos falar da existência de um navio de madeira, mas pouco mais se sabia", disse à Lusa André Teixeira, um dos investigadores do projecto Concha e coordenador da área de arqueologia da Universidade Nova, em Lisboa.

A pesquisa revelou-se frutuosa: "Deste navio foi recuperada uma importante parte do painel de popa, uma peça rara, num bom estado de preservação, com materiais associados", acrescentou. "O navio em causa — que ainda terá de ser muito estudado — será do século XVII, período de apogeu de tráfego de escravos e do papel de Cabo Verde como centro de navegação do Atlântico."

O seu interior também agradou aos investigadores, nomeadamente as formas para a produção de açúcar, relacionada com a ribeira da Cidade Velha, assim como contentores de provisões em cerâmica. Para André Teixeira, trata-se de um "contexto arqueológico muito interessante, raro à escala internacional".

O investigador sublinha que esta forma de fazer arqueologia representa um virar de página. "Durante uma série de anos, em Cabo Verde, houve exploração comercial do património subaquático e aquilo que é a nossa perspectiva agora, nossa e do IPC, é fazermos uma investigação com base nos princípios da UNESCO para a protecção do património cultural subaquático".

E isto significa que o trabalho das equipas raramente passa por recolher as peças. "A recolha dos materiais tem de ser selectiva porque, desde logo, há questões de conservação que se colocam", recordou.

Esta terça-feira o dia da equipa do Concha contou com a participação do ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, que se juntou aos investigadores para assistir aos trabalhos.

No final da visita o ministro recordou aos jornalistas que durante muito tempo os historiadores foram falando dos vestígios que se encontravam no mar e que "podiam ajudar a contar a história de Cabo Verde".

"[O Concha], muito mais do que o seu eventual valor comercial futuro, tem o valor de pôr lado a lado investigadores de Portugal e Cabo Verde num projecto internacional que une vários países no sentido de mapearmos e catalogarmos melhor as potencialidades de Cabo Verde nesse domínio e, principalmente, as baías de Cabo Verde, da praia da Gamboa, Ilhéu de Santa Maria e Cidade Velha", afirmou.

Para Abraão Vicente, entre as várias possibilidades que a investigação oferece está a de abrir "um lastro de investigação para as universidades de Cabo Verde aprofundarem o seu conhecimento sobre a história" deste país.

O ministro reconheceu na equipa de investigadores "entusiasmo por algumas descobertas, nomeadamente o mastro de um navio de madeira que mostra alguma antiguidade".

"Há motivos de entusiasmo do ponto de vista científico e da investigação, mas não é um projecto que nos permita a curtíssimo espaço tirar demasiadas ilações. O mais importante é mostrar o campo científico que se abre para a investigação, o mapeamento, para que os cabo-verdianos conheçam de uma forma mais aprofundada o que se passou aqui, que tipo de transacções se fazia, quem vinha nos barcos", adiantou.

Segundo André Teixeira, os investigadores cabo-verdianos deslocam-se a Portugal em Novembro, para acções de formação, estando previsto o regresso da equipa do Concha às águas de Cabo Verde em Janeiro do próximo ano.

O Concha pretende explicar como se desenvolveram as cidades portuárias no Atlântico no final do século XV e início do XVI através da sua relação com os diferentes ambientes ecológicos e económicos globais, regionais e locais.