Eleger Ianukovich foi a campanha “mais satisfatória” da carreira de Manafort
Estrategas americanos usaram a experiência adquirida em campanhas para republicanos e democratas ao serviço de clientes estrangeiros, nem sempre recomendáveis.
Durante quase uma década, Paul Manafort trabalhou com afinco ao serviço do político ucraniano Viktor Ianukovich, um labor registado nas centenas de documentos que ele espera impedir os jurados de verem no julgamento que arranca esta terça-feira.
Os documentos, divulgados pela defesa do republicano, em antecipação do julgamento por acusações de fraude fiscal e bancária, evidenciam como é que operacionais políticos republicanos e democratas usaram as lições que aprenderam em campanhas americanas para clientes estrangeiros por vezes menos agradáveis.
“Tendo trabalhado em campanhas nos últimos 35 anos, esta ficará no topo da lista das mais satisfatórias”, escreveu Manafort a um grupo de estrategas depois da vitória de Ianukovich nas presidenciais de 2010. O grupo incluía Tad Devine e Adam Strasberg – que trabalharam nas campanhas dos democratas John Kerry e Bernie Sanders.
Manafort vai ser julgado em Alexandria, Virgínia, por um caso que vem do trabalho que fez para Ianukovich e o seu Partido das Regiões, pró-russo – as acusações são feitas pelo conselheiro especial [Robert Muller] que investiga a interferência da Rússia das eleições de 2016, que levaram Donald Trump à Casa Branca. Manafort defende que os detalhes do que fez na Ucrânia são irrelevantes para aquilo de que é acusado.
“O conselheiro especial pretende trazer provas relacionadas com temas sem importância para este julgamento”, escreveram os seus advogados no recurso que apresentaram quinta-feira. Estes documentos começam em 2005, após uma vitória eleitoral de Ianukovich no ano anterior considerada fraudulenta.
Nesse ano, Manafort fez um memorando de estratégia para Rinat Ahkmetov, um magnata do aço ucraniano que apoiou Ianukovich. A imagem do político foi “envenenada… tanto como a dioxina que envenenou o corpo de Iuschenko”, escreveu, numa referência ao rival de Ianukovich nas eleições de 2004. Os médicos disseram que Viktor Iuschenko foi envenenado; a oposição que ficou doente por causa do consumo de álcool.
O “crescimento histórico” do partido de Ianukovich, acrescentou Manafort, “estava directamente ligado à sua capacidade de distribuir favores”, algo que se tornou impossível quando perdeu o poder. Os documentos mostram que o consultor político — é essa a profissão de Manafort — organizou um comício para Ianukovich com a ajuda de Tim Unes, que trabalhou na campanha de Trump, e de Bobby Peede, que trabalha na Casa Branca (assistente adjunto do Presidente).
Ianukovich “tem as relações na Rússia necessárias para resolver o problema criado por Iuschenko e a sua equipa”, lê-se noutro memorando, de 2006, assinado por Devine e Manafort. É dito que devem surgir várias figuras nos media a chamar ingénuo a Iuschenko “por acreditar que o Governo podia dar uma estalada na cara da Rússia e não sofrer consequências”.
Memorandos e sugestões
Depois de chegar ao poder, em 2010, Ianukovich garantiu que a sua rival presidencial, Iulia Timoshenko, seria presa. Em Abril de 2012, Devine recusou juntar-se à nova campanha do partido de Ianukovich. “Chegámos mais uma vez ao ponto em que devemos pôr de lado todo o nosso trabalho político nos Estados Unidos em benefício do país mais amado de todos – a Ucrânia”, escreveu a Devine o sócio de Manafort, Richard Gates. “Lamento que não nos seja possível trabalhar convosco nas eleições deste ano”, respondeu Devine.
Mas quatro meses depois, Devine enviou a Manafort um memorando com sugestões de campanha para o Partido das Regiões, de Ianukovich, nas eleições parlamentares que se aproximavam. “Recomendaria algo como um rácio de 3:1 em publicidade negativa para positiva”, escreveu.
Depois de Ianukovich ser deposto e fugir do país, em 2014, a empresa de Devine discutiu com Manafort a possibilidade de fazer consultadoria para outro candidato por 100 mil dólares por mês (com um bónus de 50 mil no caso de vitória), mostram os mesmos documentos. A proposta parece não ter dado em nada.
Os documentos também parecem fornecer as bases para um caso contra Manafort que o conselheiro especial tem a correr num tribunal de Washington, onde se inclui a acusação de agir como agente ao serviço de um governo estrangeiro não registado.
Um documento de 2013 divulgado pela equipa do lobista explica ainda como é que um grupo de ex-políticos europeus, conhecido como o grupo de Hapsburg, pretende promover os interesses da Ucrânia, na União Europeia e nos EUA. “A equipa Hapsburg também vai tentar uma série de eventos… para assim também influenciaram membros chave do Governo dos EUA através de encontros privados ao mais alto nível”.