Produtores, autarquias, ambientalistas e notáveis defendem montado no Alentejo
O estado de debilidade do montado de sobro e azinho no Alentejo levou à criação de uma “frente civil” para a sua defesa. A primeira coisa que reclama é que o Governo deixe de falar de “uma” floresta, porque o país tem duas, a lenhosa a Norte e o montado a Sul, ameaçado pela desertificação.
Mais de três dezenas de autarquias, produtores, individualidades e instituições do Alentejo apelaram esta quinta-feira ao Governo para que deixe de olhar apenas para a floresta lenhosa, do Centro e Norte do país, e dê atenção ao montado no Sul, onde existem 72% dos sobreiros do país e 92% das azinheiras.
“Não existe apenas ‘uma’ floresta em Portugal”, subscreve a Iniciativa Pró-Montado Alentejo, preocupada com os efeitos das alterações climáticas na região e a destruição da que é considerada a primeira grande barreira natural contra a desertificação do sul do país, para além do seu valor económico e social. O que preocupa especialmente os membros desta "frente civil" é o ritmo de declínio do montado de sobro e azinho, a chamada floresta multifuncional face às suas diversas valências. “Duas décadas de deterioração do clima e três anos de seca seguida” provocaram não só um severo enfraquecimento das árvores como trouxeram pragas e doenças. “Defender o montado de sobro é combater a desertificação”, afirma Eugénio Sequeira, uma das principais vozes da sustentabilidade da agricultura em Portugal e que regressou recentemente à presidência da LPN - Liga para a Protecção da Natureza. A associação é uma das subscritoras do movimento.
Em Fevereiro, antes do lançamento da iniciativa, um grupo de especialistas percorreu quatro concelhos, num reconhecimento no terreno ao estado do montado. “Apanhámos um susto grande”, diz Pedro Sousa, produtor florestal, ao constatarem que a situação era pior do que pensavam, entre sobreiros a morrer e em desfoliação, apontando três zonas mais críticas: serras de Grândola, Portel e Santiago do Cacém.
Assumem-se também preocupados com a ideia que o caminho do montado é migrar para Norte. “Vemos com bons olhos que haja montado de sobro e azinho em outros sítios do país, mas [deixar apenas migrar] implica esquecer 31% do território do país mais exposto às alterações climáticas”, afirma Eugénio Sequeira.
Não é apenas o valor ambiental do montado que está em causa, mas também o seu impacto económico e social. O montado de sobro e azinho alentejano “presta serviços ao ambiente de valor incalculável”, segundo o mesmo especialista e investigador, que lembra também que a cortiça contribui anualmente com 600 milhões de euros de saldo positivo para a balança de pagamentos do país. Ignorar esse facto “é um disparate tão grande ou maior que a campanha do trigo”, conclui.
A mão-de-obra empregue na cortiça é, por seu lado, a mais bem paga na agricultura e a mais qualificada, atingindo os 100 euros por dia, diz Carlos d’Orey, produtor florestal.
Medidas urgentes
Entre as medidas urgentes para a sobrevivência do montado no Alentejo, a iniciativa pede ao Governo que “comece por dizer que não tem ‘uma’ floresta, mas duas”, a lenhosa a Norte e o montado a Sul. Esta quinta-feira, em conferência de imprensa, reclamou também a definição do montado de sobro “como povoamento florestal elegível prioritário”, o fim de “barreiras estéreis” no acesso aos apoios, vocacionados para a mancha florestal do centro e norte do país mas não para o sul.
O grupo quer políticas que incluam o montado, “sem precisar de mais nenhuma reforma”, e programas específicos nos próximos programas de fundos europeus. Para já, o mais urgente, considera, é a reafectação de uma parte das verbas do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (60 milhões de euros de um total de 90 milhões que estarão disponíveis ainda) para melhoria da resiliência e do valor ambiental das florestas e o reforço do valor actual dos apoios para a floresta em 133 milhões de euros.
Sublinha ainda a necessidade de valorização do impacto ambiental das medidas de protecção do montado e de revisão do Plano Regional de Ordenamento Florestal do Alentejo Litoral. Neste último ponto, pedem, entre outras medidas, a actualização das séries climáticas dos modelos de previsão, dado o agravamento da “ameaça climática”, e uma estratégia para “melhoria drástica dos solos de montado”, com aumento da matéria orgânica, do ensombramento e de curvas de nível no terreno que retenham a água da chuva. O objectivo é aumentar o armazenamento de água no solo e a densidade de sobreiros dos actuais 60 por hectare para 80 a 100.
O pacote de políticas, acções e medidas concretas reclamadas ao Governo chegou ao primeiro-ministro em Maio passado, que, na semana passada, encaminhou o dossier para o secretário de Estado das Florestas.
A comissão coordenadora da Iniciativa integra representantes das câmaras de Grândola e Portel, das associações ambientais Quercus e LPN, e ainda Francisco Avillez, um dos principais especialistas em questões agrícolas, o perito José Manuel Charrua, o produtor Luís Manuel Rodrigues Dias e o gestor florestal Pedro Teotónio Marques de Sousa.