O Gigante, um monte submarino nos Açores, ofereceu-nos um novo campo hidrotermal
É o primeiro campo hidrotermal descoberto numa expedição totalmente portuguesa, liderada pela Fundação Oceano Azul. Localizado entre as Flores e o Faial, está a 570 metros de profundidade.
Por cima do complexo do Gigante, um monte submarino literalmente a meio caminho entre as ilhas das Flores e do Faial, deu-se um encontro programado de navios – entre o Santa Maria Manuela e o Almirante Gago Coutinho. Estão a participar numa expedição da Fundação Oceano Azul aos Açores desde o início de Junho, dedicada às ilhas do Corvo e das Flores e a alguns montes submarinos nas redondezas. As novidades chegadas ao Santa Maria Manuela (que partiu na segunda-feira à tarde das Flores) vindas do Almirante Gago Coutinho é que o veículo submarino Luso aí a bordo tinha descoberto um novo campo hidrotermal em águas portuguesas.
Para se inteirar melhor das novidades, o biólogo marinho Emanuel Gonçalves, um dos líderes desta expedição chamada Oceano Azul, deixou na terça-feira à tarde, por umas horas, o Santa Maria Manuela (da Fundação Oceano Azul) para ir num bote, acompanhado por uma pequena equipa, ao encontro do Almirante Gago Coutinho (da Marinha Portuguesa). O mar não era o mais amigável para estas travessias.
Trouxe de lá um vídeo e fotografias da paisagem encontrada pelo robô submarino Luso (da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental) no fundo do mar no último sábado, no Gigante, a 570 metros de profundidade, e mais informações que lhe foram transmitidas pelo biólogo marinho Telmo Morato, da Universidade dos Açores e que nesta expedição está no Almirante Gago Coutinho a coordenar uma equipa dedicada aos ecossistemas de profundidade.
O que vimos no vídeo são quatro orifícios hidrotermais, por onde sai um fluido transparente. A coloração à volta é alaranjada. Mas não vemos nem os mexilhões nem os camarões comuns em muitas outras fontes hidrotermais, que são emanações de água quente vindas do interior da crosta terrestre carregadas de gases, metais e minerais e rodeadas de formas de vida peculiares. Não só são capazes de viver num ambiente tão tóxico como este, como essas comunidades biológicas não dependem da luz solar, uma vez que aí a base da cadeia alimentar são bactérias e outros microrganismos que sintetizam os minerais libertados nas fontes hidrotermais e que, por sua vez, são ingeridos por outros seres vivos. Estas bactérias formam autênticos tapetes, que conseguimos ver, esbranquiçados ou amarelados.
Nestes locais profundos do oceano, onde a luz do Sol não chega, na base da cadeia alimentar não está assim a fotossíntese, mas a quimiossíntese. As primeiras fontes hidrotermais foram descobertas no final dos anos 70, no Pacífico, e foi por nos terem trazido, entre outros aspectos, a visão de que a luz do Sol não é uma condição imprescindível para haver vida que são consideradas uma das grandes descobertas científicas do século XX no campo da biologia. Talvez em Europa, uma lua de Júpiter, ou em Encelado, uma lua de Saturno, haja forma de vida por baixo das crostas de gelo que as cobrem por completo.
Por vezes esses fluidos, nalguns casos extremamente quentes, ultrapassando os 300 graus Celsius, são tão escuros que parecem fumo negro. Mas aqui não: a água quente libertada das entranhas do Gigante é apenas ligeiramente mais quente do que o exterior, é incolor e provoca um efeito tremeluzente.
Mal acabámos de ver o vídeo à noite e já nos estavam a chamar à ponte do Santa Maria Manuela, para uma conversa rápida, via rádio, que estava marcada com Telmo Morato. No vídeo vimos quatro orifícios hidrotermais e essa é a dimensão do campo que descobriram, perguntámos-lhe. “Confirma-se que identificámos quatro orifícios hidrotermais. Escuto”, respondeu-nos do Almirante Gago Coutinho.
E aquela coloração em redor dos orifícios hidrotermais deve-se a quê? “Escuto”, dizemos-lhe também. “Os tons alaranjados devem-se à oxidação dos metais em contacto com a água do mar. E possível também que sejam precipitações de sulfuretos. Escuto.”
Fontes difusas
Ao contrário de outras fontes que lançam fluidos negros com mais intensidade, estas fontes hidrotermais são difusas? “Afirmativo. A água é ligeiramente aquecida e rica em minerais e dióxido de carbono.”
Quanto às formas de vida à volta das fontes do Gigante, Telmo Morato adianta ainda: “Existem as típicas comunidades bacterianas.” Mas não viram mexilhões, pois não? “Afirmativo. No mergulho conseguimos ver que poderão existir outras formas de vida, mas não temos a certeza do tipo de organismos. Não existe a fauna típica. O campo hidrotermal Saldanha é mais fundo e tem características semelhantes, com água à volta dos dez graus [Celsius].”
Telmo Morato está referir-se a um campo hidrotermal descoberto ao largo dos Açores faz agora precisamente 20 anos, numa expedição luso-francesa, dessa vez a bordo de um navio francês, com um veículo submarino tripulado francês, o famoso submersível Nautile. A bordo iam cientistas portugueses e franceses, e nesse ano de 1998 não se tinha passado assim tanto tempo – apenas seis anos – desde a descoberta, numa expedição estrangeira, das primeiras fontes hidrotermais de profundidade nos Açores: o campo Lucky Strike.
Desde então, além do Lucky Strike e do Saldanha, outros seis campos hidrotermais profundos situam-se em mar português ou em mar reivindicado por Portugal no processo de alargamento da sua plataforma continental junto das Nações Unidas: o Menez Gwen, Rainbow, Ewan, Bubbylon, Seapress e o Moytirra.
Todos ficam perto da Dorsal Médio-Atlântica, uma cordilheira submarina que corta o Atlântico de alto a baixo, onde as placas tectónicas se afastam e se forma nova crosta terrestre. É por isso uma zona de fenómenos vulcânicos e tectónicos, e as fontes hidrotermais, cuja geologia e biologia muito fascina os cientistas, e não só, são uma dessas manifestações. O monte submarino Gigante não é excepção, ficando justamente na Dorsal Médio-Atlântica, colado à zona de separação entre as placas americana e euroasiática. Fica ainda na placa euroasiática, a 60 milhas náuticas da ilha do Faial.
“É o campo hidrotermal de menor profundidade descoberto no oceano profundo, o que significa que pode ter características diferentes das já estudadas a nível das comunidades biológicas e dos próprios fenómenos geológicos e vulcânicos”, diz-nos mais tarde Emanuel Gonçalves. “As fontes hidrotermais são raras no mundo e podem dar pistas muito importantes do ponto de vista científico sobre questões fundamentais que procuramos responder, como sejam as características na origem dos primeiros organismos e como procurarmos indícios de vida noutros planetas”, assinala ainda Emanuel Gonçalves. “Sendo os tapetes bacterianos organismos extremófilos, suportam grandes alterações das condições ambientais. Podem ser usados em várias aplicações, desde a farmacêutica até à biotecnologia. Há grande interesse biológico, não só geológico, mesmo que não tenham comunidades macroscópicas evidentes.”
Na realidade, o Gigante faz parte de um complexo de montes submarinos – a norte está o Gigante e a sul um monte conhecido como 127. Antes do encontro de navios, o Santa Maria Manuela estava por cima do Gigante e o Almirante Gago Coutinho andava por cima do 127. O primeiro navio aproximou-se do segundo, até ficarem uma milha náutica de distância.
É na zona onde foi agora localizado o campo hidrotermal do Gigante que o Luso, um veículo que é operado à distância (ROV) por um cabo, vai agora continuar a explorar durante esta expedição. “Voltaremos a essa zona, onde teremos mais três imersões com o ROV”, conta Telmo Morato. “É o primeiro campo hidrotermal descoberto numa expedição portuguesa, liderada por cientistas portugueses, usando navios portugueses e pilotos de ROV portugueses. É um marco histórico na investigação marinha portuguesa.” Emanuel Gonçalves completará esta ideia, dizendo: “Até agora estivemos sempre dependentes de terceiros para descobertas científicas desta natureza no mar profundo. As parcerias nesta expedição são de enaltecer.”
E se o Almirante Gago Coutinho e o Luso vão manter-se na zona, para recolha de amostras de água, biológicas e de sedimentos e medição da temperatura nas “novas” fontes hidrotermais, o Santa Maria Manuela já se despediu do Gigante. Seguiu caminho para o próximo destino desta expedição que a Fundação Oceano Azul co-organizou com Fundação Waitt e o programa Mares Pristinos da National Geographic, para explorar zonas ainda pouco conhecidas do mar dos Açores, até 24 de Junho, e promover a conservação marinha.
Partimos – e já chegámos – ao banco Princesa Alice, a sul do Faial. Que surpresas nos aguardarão aqui?